quinta-feira, 10 de março de 2011

Entrevista concedia a Jorge Bichuetti, do blog Utopia Ativa

1. A vida pulsa e encanta... é lágrima e risos, feridas e esperanças... vivendo sua vida, de mulher e educadora, pergunto-lhe: o que pode na vida, na poesia e na arte?

Bem, sinto-me lisonjeada de ter sido uma das pessoas escolhidas para responder a estas inteligentes e instigantes perguntas. Bem, como mulher, embora tenha sofrido na pele muitas consequências tristes do meu entorno familiar, sinto-me uma pessoa madura, porque soube tirar sempre ótimas lições de vida, tanto das situações boas quanto ruins, mas refletindo principalmente acerca dos acontecimentos negativos, entendendo que são os momentos difíceis que nos impulsionam a busca de saídas, ao crescimento como um todo. Eu me considero uma pessoa feliz, encantada com a vida e com um espírito muito jovem. Como educadora, amo o que faço, e isso já estabelece a diferença entre tantos professores que exercem as suas atividades com repulsa ou insatisfação. Tenho consciência plena da nossa desvalorização profissional, por isso, durante muitos anos, fui uma ativista, uma militante sindical. No entanto, hoje a minha militância se restringe muito mais à sala de aula. Acredito indubitavelmente que não podemos desistir da luta, não somente da luta por melhores salários e condições de trabalho, mas pela construção [construção não é reforma] de um mundo mais igualitário, em que a escola não se resuma a mal preparar seus alunos para o mundo trabalho, incentivando neles a competição, docilizando-os, inibindo seus corpos, policiando seus pensamentos, violando as suas vontades e impedindo a liberação das suas potencialidades criativas. O que pode na vida? Prefiro responder ao contrário, o que não pode na vida? Fome, miséria, desigualdade social, violência de qualquer tipo, injustiças, violação dos direitos humanos, crimes, guerras, drogas, falta de amor, acidentes de trânsito, desmoronamentos, tsunamis, discriminações de qualquer espécie, analfabetismo de letramento, funcional e político, ausência de lazer, corrupção, exploração, fanatismo, sistemas totalitários, censura, homofobia, xenofobia, assédio moral, assédio sexual, seqüestros, tristezas, enfim ficaria enumerando uma lista enorme de atitudes negativas e monstruosas, diante de tudo o que vemos acontecer todos os dias no mundo. O que pode na arte e na poesia? A livre expressão dos sentimentos, da emoção, dos desejos, do prazer, do amor, da criatividade, da originalidade, do sonho, do engajamento político. O registro de um mundo colorido, a luta, um beija-flor, a vida, um estado de alma, a paz.

2. Se alguém lhe perguntasse, assim, de pronto, quem é o jovem dos nossos dias?

O jovem dos nossos dias, dependendo do seu universo familiar, classe social, tribo em que se encontra, é alguém que está preso ao consumismo, às grifes, à tecnologia, à reprodução do sistema, à violência, à alienação política, a futilidades, às drogas, ao tráfico, aos vícios, aos assaltos, à depressão, à passividade, à competição. Porém, deixando de lado esses aspectos citados de maneira um tanto maniqueísta, o jovem de hoje é alguém que não tem consciência das suas potencialidades, ele precisa se inventar, se descobrir como agente da paz e do amor, pois vive egoisticamente voltado para o “ter” e não para o “ser”, via globalização mass media. Isso por que ele vive num meio que o pressiona, que cobra dele este papel de “bem sucedido economicamente”. Esse jovem é aquele que cultua a beleza física, a silhueta esbelta, os músculos bombados, em detrimento do conhecimento de si mesmo e do saber científico e da espiritualidade. Infelizmente, ele acaba reproduzindo tudo isso sem ter tido a oportunidade de experimentar o outro lado, o do sonho, o da utopia por um outro mundo possível, solidário, fraterno, libertário. Claro, não podemos generalizar, seria uma falácia dizer que todos os jovens são iguais. Há os que lutam, há os incompreendidos e os rebeldes, há os insatisfeitos, mas nos resta saber pelo que eles lutam. Eles não têm culpa de estarem “anestesiados”, afinal de contas, a maioria deles foi criada por uma babá eletrônica chamada televisão, e hoje dedica uma grande parte do tempo de suas vidas ao computador. Atualmente, muitos jovens deixam também de trilhar caminhos vanguardistas em função da própria violência social, que os aprisiona em casa; por conseguinte, acabam conhecendo apenas a realidade virtual.  Então, a juventude atual precisa aprender a se perceber singular, para que não seja cooptada pela globalização, e a enxergar a sua própria subjetividade como um instrumento de transformação do mundo em um lugar de muita paz.

3. O que necessitamos para que a educação seja capaz de ser um espaço do devir?

Bem, necessitamos de professores conscientes desta possibilidade, ou seja, a de fazer da sua sala de aula um espaço de ruptura com a alienação, de um professor que aproveite todas as brechas que o próprio sistema deixa, para ativar a capacidade de os alunos construírem importantes devires e a se reconhecerem como agentes desse processo. Igualmente, os alunos também terão de estarem receptivos ao novo, à descoberta de si, ao cuidado de si, aprendendo a se construírem ao mesmo tempo individual e coletivamente, respeitando o ritmo da caminhada de cada um, se permitindo errar e acertar, pensando a vida sempre como um processo de “vir a ser” melhor.

4. Vivemos como nossos pais?... O que os pais poderiam fazer para diminuir a distância entre eles que cuidam e os filhos que almejam se inventarem?

Como mãe, posso afirmar que, em última instância e em alguns aspectos, nós acabamos vivendo como nossos pais, pois estes se constituem desde cedo modelos, referências para nós. Foram eles que nos educaram, eles que nos formaram ou mesmo “deformaram”. Nesta pergunta fica nítida a questão do “conflito de gerações” que acaba por distanciar as visões de mundo entre pais e filhos e, por conseguinte, tudo o que poderia surgir de bom nessa relação. Por haver uma tendência natural à preservação dos filhos, muitas vezes, os pais se colocam como pedras no caminho deles, impedindo seu crescimento através do boicote de experiências, de novas vivências. Contudo, essa é apenas uma visão, pois há também pais que se colocam diante dos filhos numa posição de irmãos mais velhos, metaforicamente falando. Então, há os que limitam demais seus filhos e outros que são totalmente permissivos, e ainda querem ser como eles na aparência e no comportamento. Nem oito nem oitenta. Há que se ter bom senso, respeitar as distâncias diferentes entre a trajetória de vida e o aprendizado de pais e filhos numa sintonia de amor, cuidado, carinho e liberdade para que estes últimos tenham a chance de se perceberem diferentes ou até mesmo uma extensão de seus pais, mas isso só acontecerá por meio da liberdade de suas escolhas, de suas potencialidades e devires.

5. O amor flui e contagia... O amor anda  fora de moda neste mundo neoliberal?

O amor fora de moda não digo, mas diferente dos tempos modernos, em que as coisas eram duradouras, e a hora custava muito a passar no relógio. O amor nos tempos pós-modernos, como afirma Bauman, é líquido, volátil, não cria vínculos nem laço afetivos. Vinícius já dizia: “Que seja eterno, enquanto dure”. Num mundo neoliberal, onde tudo vira mercadoria, aproveitando a deixa de Bauman, o amor entre duas pessoas se esvai rapidamente, tem prazo de validade e, geralmente, ecoa no vazio existencial. Para mim, que tenho como referência um ideal de relacionamento amoroso, baseado no respeito às liberdades individuais e no companheirismo, há uma certa dificuldade para eu conviver com alguém num ritmo frenético de mercadoria descartável, pois não me vejo assim, tampouco me considero uma pessoa  psicologicamente instável. Por outro lado, o amor no sentido de que a humanidade necessita está carente de ideais, de ternura, de carinho, de motivos para existir, ocasionando a violência, a desunião e a competitividade entre todos.

6. O sonho acabou?... O socialismo já é um sonho arquivado?...

Para mim, o sonho não acabou. Uma vez fecundadas as sementes da igualdade, da solidariedade e da fraternidade dentro do coração da gente, o tempo passa e apenas os meios de se fazer a revolução mudam. Não acredito em mudança social significativa, sem antes termos feito a nossa reforma íntima, a nossa libertação dos estereótipos vigentes em nossa sociedade. Podemos multiplicar ideias, pois, como educadora, sei que também sou formadora de opiniões, é um trabalho de formiguinha. Se ele vai nos levar ao socialismo? Não sei, sei apenas que o terreno para ele chegar estará fértil através daqueles que multiplicarem as nossas utopias.

7. Utopia Ativa, diga algo, o que desejar, para nossos amigos que lhe encontram neste blog...

Com relação ao blog Utopia Ativa e à amizade recém-nascida com o Jorge Bichuetti, mas que para mim parece ser de longa data, eu posso afirmar que estou encantada. O Jorge é uma pessoa extremamente sensível e consciente da origem dos problemas sócio-afetivos, políticos e econômicos em nosso país e de nossa gente. No blog eu encontro o registro inteligente dessa sensibilidade e os caminhos, as possíveis soluções para a construção de um mundo melhor. Eu me sinto potencialmente nutrida intelectualmente e amparada afetivamente por suas carinhosas palavras. Parabéns, Jorge, pelo belo blog e pela tua competência ao dar o teu recado.
 Entrevista concedida a Jorge Bichuetti, do blog Utopia e Vida
09/03/2011

1 comentários:

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia, quanto nos levaste a refletir e crescer... Obrigado! um flor no horizonte azul do amanhã.
Abraços, Jorge