domingo, 8 de abril de 2012

Enkrateia - Estética da existência

"Quando Foucault foi estudar os gregos, ele descobriu esse dois poderes: o político, que vem da polis – a politea; e o oikonomos, que vem do oikos – a economia. Esses dois poderes! Aí o Foucault descobre um terceiro poder, que se chama enkrateia. O que é enkrateia? É uma das coisas mais bonitas que os gregos produziram. Os gregos, eles acham que nós, os homens, somos dotados de paixões muito fortes e essas paixões muito fortes podem comandar as nossas vidas. Por isso, o homem grego, ele deve administrar as suas paixões. Então, o homem grego tem que adquirir um terceiro poder: o poder sobre as suas paixões. Esse poder sobre as suas paixões chama-se enkrateia que é, para os gregos, a estética da existência. Todo aquele que tem o poder sobre as suas paixões torna a sua vida bela. (Vocês entenderam?) Esse fenômeno grego, jamais pode-se dar no Ocidente. Por quê? Porque no Ocidente podemos ter o poder político e o poder econômico. Mas jamais enkrateia. Porque quem organiza a nossa subjetividade é a igreja, a família, a escola, etc. (Entenderam?)"

Claudio Ulpiano
Fonte do texto: 

quinta-feira, 5 de abril de 2012

diferença e repetição - gilles deleuze - por andresa nix

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sociedade do Espetáculo

Tradução audiovisual do capítulo 01 do livro Sociedade do Espetáculo - Guy Debord - por Cristiane Poveda/Norman Novaes/Laura Queiroz/Camila Oliveira/Luma Ramiro.

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Na Sociedade do Espetáculo, a imagem ensina, aliena, estereotipa. A aparência vale mais do que a essência do ser humano. Vive-se focado no consumismo e nas marcas. O comportamento fica literalmente padronizado, massificado e voltado ao ter... ter um corpo padrão "bonito", "esbelto", à custa do consumo de cosméticos, de remédios e chás de todas as espécies, cirurgias para implantes de silicone ou lipoaspiração, roupas, calçados e acessórios de grifes, mesmo falsificadas (simulacros); ter o carro do ano, ter músculos do tipo "mamãe eu sou forte", puro anabolizante... A imagem que você constrói de você mesmo e repassa aos outros é externa, vazia, fútil, bem ao gosto do sistema capitalista. Este se nutre na Sociedade do Espetáculo, a vida dos outros passa a ser o foco a ser observado, e não faltam aparelhos eletrônicos e digitais para esse registro. Portanto, chore bastante, você não tem mais, ou talvez nunca tivesse tido, liberdade de ir e vir sem estar sendo vigiado (a) pelos panópticos midiáticos. 
Tânia Marques
16/02/2012

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Corpo e intensidade: a saúde como capacidade de experimentar a vida em sua constante mutabilidade e desvio – Hélia Borges com a presença do curador André Martins » cpfl cultura

Corpo e intensidade: a saúde como capacidade de experimentar a vida em sua constante mutabilidade e desvio – Hélia Borges com a presença do curador André Martins » cpfl cultura

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Um hino à vida, à liberdade e à integração entre os povos



Fonte: YouTube

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

SIGNIFICÂNCIA E SUBJETIVIDADE SUBILIMINAR


Alexandre Lacerda Alves

A observação sistemática do comportamento atualmente preponderante da sociedade moderna me leva a considerar a significância aparentemente invertida de suas premissas e diretrizes, pois, parece que sua raiz, seu berço mesmo, qual seja, o homem como célula primária da gênese da própria civilização e, consequentemente, da sociedade que a compõe como parte apenas, parece cada vez ocupar um papel mais restritivo, face ao que é tido como valores dominantes. Engraçado ou lamentável observar é que a conseqüência do problema está na sua própria raiz, no seu cerne propriamente dito. Ou seja, o próprio homem que, ávido por competição e na tentativa de “garantir seu lugar ao sol”, atropelou a si próprio, seus próprios sonhos, quando deixou de cultivar valores emocional-afetivos, morais/éticos, para simplesmente ter de ser, enquanto poderia escolher poder ser. Logo, um dos grandes dilemas da filosofia moral pode ser resumido nas seguintes questões: Existem ou não valores morais válidos para todos os homens? Como justificar a classificação das ações em moralmente corretas ou incorretas, boas ou más? O que preocupa é que reconditamente, mas com firme avanço as pessoas (olhando de maneira maximizada e generalizada apenas), se deixam perder nestes objetivos paradoxais, porque se enquistam de medos e formulações defensivas daquilo que as poderia libertar deste ciclo, enquanto não se apercebem de que, desta maneira, na verdade enceguecem a razão, obscurecem o discernimento e acabam por ficar aprisionadas na não liberdade do pensar e do sentir. Acabam por tolher, quando não limitam e/ou mutilam sua potência criadora, pois a liberdade existencial ficou perdida no tempo gasto em se transformar em “coisas” cuja identidade está perdida, tornando-se amarguradas e às vezes pessimistas, combativas, quando este comportamento bifurcado suga-lhes a energia de viver, tornando-as ainda mais defensivas e perseguidoras de sucesso, como se essa fosse a nova panacéia capaz de suprir aquilo que a simplicidade do coração humano perdeu para a complexidade de conceitos e metas auto-impostas a cada dia. 

Não quero preconizar que este seja o fim ou que esta decadência de princípios seja o novo paradigma dos dias atuais, até porque, muito se tem criado de positivo. Mas, quando se observa a maioria, como ela reage como “massa”, pergunto-me onde o “indivíduo” que se potencializa na realização pluralizada, no conjunto. Por que tanta solidão, tantas angústias manifestas no anonimato de sorrisos vazios e/ou de maculados brilhos que ferem o brio da sensibilidade seqüestrando o que deveria ser na verdade um aspecto simples e transitório do viver e tornou-se algo maior, tão subjetivo que sequer o entendemos mais. Onde as alegrias simples que purificam o coração? Porque preterir esse estado de felicidade pueril à ditadura de conceitos endurecidos? para que essa ‘engrenagem’ social possa continuar como boca faminta a tragar mais e mais incautos corações? Creio ainda que na nossa essência precisemos de muito pouco para transcender, expandir-nos de maneira tal que o estado de felicidade possa alcançar nosso caráter objetivo das coisas. Mas, creio igualmente que seja necessária a mísera coragem de nos desapegarmos do racionalismo complexo que criamos para defender tais posturas e postular um modo mais aberto, com menos mecanismos engenhosos de defesa contra aquilo que na verdade me parece a nossa essência, ou seja, nossa humanidade, que grita por mais espaço e liberdade, tão suprimida está por isso tudo. 

A conexão com os outros precisa deixar de ser percebida como competição adicionada. Como marco de superação um contra o outro e porque não, contemplar como elemento e maior empatia regeneradora, mais energização pelo que podemos nos oferecer e não subtrair. Assim, nessa soma, nos engrandecemos, alçando vôo para a plenitude dessa humanidade que ficou tão acanhada... irrisória em nossa miserabilidade criada e sustentada por um coletivo distorcido e deturpado. Sinto que precisamos encontrar-nos mais com nós mesmos, cuidar das feridas uns dos outros, expressar nosso afeto, abrir espaço para as demonstrações empíricas e concretas dos nossos sentimentos, porque a inteligência tão somente experimentada já provou que pode gerar mais aridez que fecundidade, afastando as pessoas e gerando ainda mais desolação. Mas, é preciso coragem para reconhecer isso, porque na inversão de valores em que vivemos isso é percebido como fraqueza dialética e pragmática. 

Nossas idiossincrasias deveriam voltar-se para o cultivo da alegria de compartilhar, da magia de dividir para somar, de nos fazermos mútuos, unos. Capazes de uma coletividade mais assegurada e asseguradora do que somos, multiplicando nossos conceitos primários em força secundária, capaz de nos sustentar em uníssono humano criador e gerador de apoio mútuo. Dentre essas características existem duas problemáticas. São: o “eu dividido” e o “eu individual”, pois na primeira as duas faculdades estão separadas, porém devem estar unidas para poderem juntas serem base para a vontade racional. E na segunda característica, o objetivismo vê o eu como tendo uma essência fixa, mas não há alguma “coisa” estática que é ou deva ser, que determina o que o agente moral deva fazer. A identidade de alguém como agente moral muda e é moldada pela forma de alguém deliberar sobre seus fins e propósitos. Ainda penso que, o erro emotivista é afirmar o eu dividido – a bifurcação de razão e desejo – e depois colocar a moralidade fora da razão. A moralidade não é prática porque, por si mesma, não pode nos mover à ação, pois a moralidade não tem nada com as qualidades objetivas de ação ou caráter, mas somente com nossa resposta sentimental quando contemplamos tais ações ou estados de caráter. Tal concepção depende da aceitação de uma estrutura conceitual incompatível com os resultados recentes das ciências cognitivas. Captura pouco da nossa experiência como seres humanos e descuida dos aspectos básicos das situações morais problemáticas particulares. Negligencia uma concepção de moralidade como exploração das possibilidades do florescimento humano, isto é, uma concepção expansiva e construtiva e não negativa e restritiva. Por isso dividimos, enfraquecemos, afastamos, singularizamos ao restringir nossos objetivos e trazer nossa capacidade quase infinita de sentir para grupos cada vez menores, revelando uma obsolescência crua do deveria ser maturidade plena dos nossos sentidos. 

Se fizermos uma reflexão mais honesta sobre estas observações, admito que as conclusões podem (e devem ser diversas), inobstante isso, porém, há pontos de coesão que merecem uma observação mais detida, pois no mínimo não deixa de representar uma autocontradição humana. Nós buscarmos tanto a qualidade de vida entronizada por estes valores contemporâneos e para isso deixarmos de lado o elemento fundamental: nossa humanidade, com quase tudo que ela tem de mais rico, ou seja, sua fragilidade que nos leva a buscar a capacidade de superação e o desenvolvimento das nossas virtudes mais verdadeiras. Pensemos nisso. Mas não como pensamos de forma geral, relativizando as questões. Pensemos de forma viril, consistente, confiante; porque com certeza a resposta, de tão concernente nos surpreenderá: para vivermos os dias de hoje por nossas próprias regras, deixamos de viver pelas regras da vida. O ser humano é apaixonado e apaixonante e não se convenceu ainda que sua essência é emocional, derivando para o intelectualismo, domado pelos sentimentos educados pela ética individualmente assimilada a partir do autoconhecimento e do aprendizado externo, pois, somente desta forma ele poderá ter chances de eliminar tais dogmas e conflitos, sejam eles subjetivos e/ou relativos, sejam eles brumas circunstanciais ou densas nuvens existenciais persistentes e pressupostas no seu modo de “pensar” a vida, pois a verdade, na sua maior acepção é simples: as paixões e a razão exercem força sobre a vontade que por sua vez exerce força sobre o corpo e as ações. A vontade pode resistir à força exercida pela razão e, muitas vezes, à força exercida pelas paixões. As paixões e a razão exercem forças opostas. Entendido isso, cria-se liberdade real, gosto pela experimentação, potência humana que gera amadurecimento, capacidade de discernimento mais claro e simples, menos angústias e agonias incompreendidas, mais chances de inverter valores e caminhar com maior segurança para algo que se quer de fato. Não para aquilo que imaginamos querer a partir do “self” coletivo, tanto quanto, a partir do imaginamos que somos e podemos a partir das nossas experiências e limitações. Afinal, do que é realmente capaz o ser humano? E, este paradoxo,deixará de nos consumir e anular. Porquanto, a verdade é tão mais simples. Tão menos objetiva, tão mais sensível e bela. A verdade somos NÓS. E como isso é apreciável.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Michel Onfray- Uma escola libertária e elitista para todos


Entrevista com o filósofo Michel Onfray
[texto retirado da e-revista Brasileira Escola Pública]

Demissionário do sistema de educação do Ministério da Educação Nacional Francês e colocando-se explicitamente dentro da tradição do século 19, o filósofo Michel Onfray fundou, em 2002, uma universidade popular em Caen, com o objetivo de democratizar a cultura, proporcionando gratuitamente o saber para o maior número possível de pessoas - um novo Jardim de Epicuro, mas fora das paredes, lançando as bases para uma autêntica "comunidade filosófica" contra o mercantilismo dos saberes. Outros antes dele haviam pensado em fazer isso, mas sem tomar uma atitude efetiva-principalmente os militantes da ONG Droits Devant! (Direitos em Frente!) quando estes ocupavam o prédio da rua du Dragon, em Paris, em 1994. Dentro da lógica de Michel Onfray, a universidade popular se inspira na universidade tradicional (qualidade das informações, progressão pessoal, transmissão de um conteúdo antes de todo debate).
Contudo, ela conserva do café filosófico à abertura para todos os públicos, a utilização crítica dos saberes e a prática do diálogo. A fórmula precisa respeitar determinados critérios: os docentes são benévolos; as aulas são gratuitas; os participantes totalmente livres. Participa quem quer, sem precisar se inscrever previamente, sem condições de idade ou de diploma, e sem precisar submeter-se a um controle dos conhecimentos. Os curso articulam-se entre uma exposição e uma discussão entre o professor e a plateia. Desde 2003, Michel Onfray oferece, a partir do mesmo modelo, uma universidade popular de verão no Lazaret de Ajaccio (na Córsega). Iguais a estas, outras surgiram, contando, em muitos casos, com o apoio das coletividades locais: perto de Arras (Pas-de-Calais, norte) e em Narbonne (Aude, sudoeste), sendo agora a vez de Lyon.
Nesta entrevista Michel Onfray defende o poder emancipador da pedagogia libertária. A miséria social e moral das nossas sociedades impõe a necessidade de ensinar a todos um saber alternativo e crítico, até porque muitos intelectuais deixaram de se preocupar em tornar popular o saber filosófico.

Le Monde de L'Éducation - Na sua obra La Communauté philosophique (Galilée, 2004) você escreve que "o pedagogo libertário trabalha para o seu apagamento pessoal, e cultiva o poder interrogativo de toda a subjectividade". Por que é que este poder se encontra esgotado no aparelho escolar, quando ainda existem certos professores que conseguem despertar e responder ao desejo de saber dos alunos?

Michel Onfray - A instituição escolar é esquizofrênica: ela tem um discurso, mas leva a cabo uma prática nos antípodas daquele discurso. O discurso é este: a escola forma a inteligência, constrói indivíduos cultivados cujo saber lhes permitiria desenvolver juízos esclarecidos, ensina a ler, a escrever, a fazer contas, a pensar, ela formaria o cidadão ao educá-lo para a liberdade. Mas, a verdade, é que na prática ela negligencia a inteligência para privilegiar o exercício da memória e da repetição calibrado em função de um programa feito para isso. A educação nacional ensina, sobretudo a submissão, a docilidade, a hipocrisia, o artificial. Só assim se pode explicar que num curso de 7 anos de inglês se consiga fazer tão poucos jovens bilíngues. O que é que se aprende durante aquelas intermináveis horas de aprendizagem de línguas senão a arte de bem funcionar dentro da máquina que permita a passagem para o ensino superior, e a produção de diplomas úteis para o mundo da integração social.

Le Monde de L'Éducation - Qual é a genealogia dessa pedagogia libertária que você defende? Estaria no prosseguimento de uma linha que vai de Epicuro a Freinet?

Michel Onfray- Se o termo libertário significar "o que educa a liberdade", ou "o que faz da liberdade o bem supremo", sem dúvida, que poderíamos começar com Sócrates e a sua maiêutica, a sua arte de desenvolver as potencialidades de cada qual e torná-las em realidades tangíveis, podemos depois continuar com Diógenes e os filósofos cínicos que usam um bastão para mandar embora os que procuram um mestre e a submissão. Prosseguimos com Erasmo, o grande e imenso Erasmo, e, certamente, Montaigne, que tanto lhe deve, para falar de várias matérias, como a Educação e tantas outras. Passamos depois para Nietzsche que ensina que um bom mestre é aquele que aprende aquilo que se desprende de si. Seria preciso ainda falar, com certeza, dos autores libertários, que a história conheceu, como Max Stirner e o seu "Falso Princípio da Nossa Educação", Sébastien Faure, que aplicou o seu método em La Ruche, mas ainda A.S. Neill e os seus "Jovens livres de Summerhill" que me fizeram desejar tornar-me professor antes de me desiludir na Escola Superior de Educação. Seria ainda preciso acrescentar o excelente livro "Advertência aos estudantes e liceais" de Raoul Vaneigem.

Le Monde de L'Éducation - Uma certa concepção da pedagogia libertária - nomeadamente a que defende a espontaneidade do aluno - não fará o jogo do "novo espírito do capitalismo" que pretende apoiar a participação dos "atores"? Não contribuirá ela para o idiota útil do "neoliberalismo"?

Michel Onfray- Tem razão.Eu sou um ardente defensor de Maio de 68 e do espírito de Maio, que se definia por uma revolução metafísica antiautoritária. Os dominados punham em causa os dominantes. Os pares tradicionais - mulheres/homens, jovens/velhos, empregados/patrões, esposas/maridos - deixaram de ter um estatuto divino. E tudo isso foi uma coisa boa. Mas à negação dos velhos valores não se seguiu uma positividade. Destruir é bom se, e somente se, propusermos a seguir uma reconstrução. Os valores libertários, por exemplo, mereceriam mais que os simples elogios da indolência, da espontaneidade, do natural, do porreirismo generalizado por via da desvalorização do rigor que se mostrou tão pouco democrático quanto demagógico. Porque esta renúncia à memória, ao esforço, ao trabalho, à cronologia, e todas essas categorias consideradas reacionárias fizeram efetivamente o jogo do poder, que prefere ter um rebanho de inculto embrutecidos que indivíduos apetrechados com o saber e a cultura. A pedagogia libertária não é a pedagogia liberal pós-anos 1960 que deixa o jovem livre na turma, e que dá plenos poderes à competição entre classes sociais, e que é, ela própria, geradora de reprodução social.

Le Monde de L'Éducation - "Passamos de um ensino autoritário a um ensino clientelar", escreve Raoul Vaneigem num texto recente sob o título Modeste Propositions aux Grévistes ( Verticales,2004). "O endoutrinamento suscitava, ao menos, a revolta, a propaganda estimulava o seu oposto, o desejo de pensar de outra forma. O feiticismo do dinheiro enfraqueceu o pensamento que ruge e incomoda." Concorda com esta análise?

Michel Onfray- Vaneigem é um amigo que me estimula - ele acaba por me ultrapassar pela esquerda! - mas não partilho o seu otimismo que está, de resto, na gênese do seu radicalismo político: no meu entender, a autoridade produz uma submissão massiva, pois o medo, o temor e o desejo de servidão voluntária são grandes. A revolta não é gerada pela ditadura - se assim fosse, seria preciso desejarmos a ditadura enquanto momento dialético das revoltas lógicas - mas por temperamentos rebeldes, revoltados, insubmissos gerados por razões existenciais que só uma psicanálise à maneira sartriana - descobrir o projeto original - permitiria compreender. Conheci períodos da minha vida - nomeadamente os sete anos de pensionato, quatro dos quais no orfanato dos salesianos - que fizeram de mim aquilo que sou hoje, mas que também fizeram uma multidão de indivíduos castrados da vida e orgulhosos de o ser. Uma mesma causa não produz felizmente os mesmos efeitos em todos nós. É preciso levar em consideração o prazer de estar submetido, tal como existe com tantas pessoas.

Le Monde de L'Éducation - É procurando retomar o que há de melhor nos cafés-filosóficos e nas Universidades (a liberdade dos primeiros e a seriedade da segunda), ao mesmo tempo em que rejeita o que há de pior em cada qual (o extravasamento de um lado e a secura do outro), que você decidiu fundar a Universidade Popular de Caen. Mas também com o objetivo de retomar e prosseguir o ideal nascido no tempo da questão Dreyfus. Em que medida é ela um meio de lutar contra a situação de crise por que a França atravessa: miséria social, racismo, bloqueios nacionais-populistas etc?

Michel Onfray- O saber é um poder. Posto isto, é preciso um saber específico suscetível de permitir a libertação e não a alienação. A filosofia não é de fato um instrumento de libertação: ensinar as ideias platônicas, falar da Cidade de Deus de S. Agostinho, das teses tomistas, da aposta de Pascal, do ocasionalismo de Malebranche, da angústia de Kierkegaard e de tantas outras matérias da história da filosofia ajudam mais a manter o poder instalado e permitir o domínio do cristianismo do que a emancipar o aprendiz em filosofia. Daí o interesse em ensinar quer um saber alternativo, quer um saber clássico, mas de maneira alternativa, isto é, crítica. A subversão cínica, o hedonismo cirenaico, a libertação epicurista, a alegria gnóstica, só para ficar na Antiguidade, são ilustrações de saberes alternativos; ou então, falar dos saberes clássicos, mas de maneira alternativa: mostrar que o conceito errôneo de pré-socrático, desvalorizando os predecessores socráticos, pressupõe uma escrita platônica da história da filosofia, explicar as razões da evicção do materialismo de Demócrito (cuja obra completa Platão queria queimar em auto-de-fé). Estes saberes permitem construir uma inteligência crítica, mas também realizar um trabalho sobre outras matérias, nomeadamente as que estão associadas a essa crise que referiu.

Le Monde de L'Éducation - Você costuma recordar que intelectuais como Alain, Péguy, Bergson e tantos outros, frequentaram e animaram cursos de educação popular, lançados pelo tipógrafo anarquista Georges Deherme. Os intelectuais dos anos 2000 esqueceram o seu papel de educadores e a ideia de tornar popular, a filosofia?

Michel Onfray- A nossa época midiática produziu dois tipos de intelectuais: o primeiro, especializou-se na miséria limpa, uma miséria longínqua que permita uma postura declamatória à maneira teatral, reproduzida logo de imediato pelos mídia. Tendente a ser midiatizada, e não precisando de nenhum outro compromisso que não seja o verbo, a carta postal ou a consulta de um livro, ela permite tocar o trompete dos grandes princípios maiúsculos: Humanidade, Liberdade, Direitos do Homem etc. O segundo, ocupa-se antes da miséria suja, a que envolve os explorados, os operários, os miseráveis e os excluídos do sistema, as vítimas e outros dejetos do liberalismo, a ideologia defendida pela maior parte dos primeiros. Os intelectuais dos anos 2000 não cuidam da educação popular nem de tornar popular a filosofia: o seu saber é utilizado para fins financeiros, traduzíveis em moedas reais ou simbólicas, mas nunca com o objetivo de uma crítica social.

Le Monde de L'Éducation - Um curso magistral pode ser libertário?

Michel Onfray- Sim, se o magistério do curso magistral for aquele que indiquei ainda há pouco: um mestre libertário que cuida antes de tudo em cartografar e de identificar o conjunto das situações que estão em jogo, fornecendo depois uma bússola e o seu modo de emprego, isto é, convidar cada qual a fazer a sua própria viagem.

Le Monde de L'Éducation - A Universidade popular histórica acabou por desaparecer antes da Primeira Guerra Mundial em razão de causas e desinteligências internas. A Universidade popular tem tido um grande sucesso. Como evitar os perigos?

Michel Onfray- A Universidade popular é um organismo vivo e, como tal, mortal. Os três anos da sua existência já permitem identificar alguns vírus, erros e ataques. Tudo normal. A Universidade popular tem tido efetivamente um grande sucesso público e popular, gerou uma verdadeira energia alternativa, propõe um intelectual coletivo - para usar a fórmula de Bourdieu - eficaz, que logo perturba e incomoda. É normal que a nossa aventura atraia invejas e revele os medíocres, os invejosos, e outras figuras de ressentimento que não existem e não vivem senão por e para a destruição. Mas nós somos uma comunidade de amigos, no sentido epicurista, que vamos experimentando o verdadeiro poder da amizade epicurista. E, depois, sejamos nietzscheanos, o que não mata fortalece-nos. Para o resto, só o Deus das universidades populares poderá dizer se a experiência desaparecerá - sim, porque ela sempre desaparecerá -, seja como vítima da síndrome do recém-nascido ou do catarro dos velhos, seja por suicídio próprio na flor da idade ou por um esgotamento centenário.

Le Monde de L'Éducation - Uma educação "elitista para todos". Esta fórmula do dramaturgo Antoine Vitez adaptada à educação mantém-se atual?

Michel Onfray- Mais atual do que nunca. Gosto mesmo do oxímoro, uma figura de estilo que, associando dois termos aparentemente contraditórios, gera um sentido novo: universidade popular é realmente um oxímoro espantoso! O elitismo para todos, também. Percebe-se que, para além da pura e simples justaposição verbal, para além do simples jogo de palavras, uma nova significação emerge à luz do dia. A expressão elitismo para todos supõe uma outra definição de cada um dos termos; trata-se de dar o melhor ao maior número, porque o melhor existe, sem dúvida, mas normalmente só é dado aos melhores, pelos menos, aqueles que assim são qualificados pela máquina social. Quando é destinado a todos, ao maior número - é essa a minha definição de popular, e também a de Michelet - o elitismo brilha com outra clareza, que muitos se têm esquecido, e que é a da luz do iluminismo.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Entrelinhas - Eduardo Galeano

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O LUGAR DO SOCIAL NA EXISTÊNCIA HUMANA

Amauri Ferreira

É necessário destacar a diferença que há entre um social que se banalizou, de outro que tornou-se enriquecido, que se exprime, muitas vezes, na sensação de que tivemos um dia prolífico, satisfeitos com nosso próprio trabalho, com a certeza de termos avançado ainda mais longe na nossa própria tarefa. Mas costuma-se imaginar que aqueles que falam com e como todo mundo são “sociáveis”, pois eles são facilmente identificados, facilmente tornados familiares, enquanto os outros seriam os “dissociáveis” e, justamente por isso, supostamente pagariam um preço alto por não viverem “como tudo mundo”, por não fazerem as coisas que “todo mundo faz” - e assim são acusados de viverem “isolados”. Mas não se trata de isolamento, mas de algo que é muito sutil, que não se percebe, que é ignorado freqüentemente: trata-se da capacidade seletiva de nos relacionar com as coisas que realmente nos interessa, que, inclusive, podem ser pouquíssimas, quando comparada à abertura leviana e sem seletividade vivida pela multidão. Não se constrói um mundo próprio quando se vive de maneira vulgar – em oposição a isso, o mundo selecionado de acordo com nós mesmos, devido à nossa própria potência de existir, torna a indolência difícil de suportar. Fazemos explodir a organização tirânica da vida, esta que é sustentada pela censura, culpa, sofrimento, recompensa, reconhecimento (não se conquista um mundo próprio enquanto se vive capturado pelo reconhecimento), igualdade e medo, muito medo. Como nos parecem os que se preocupam em defender a sua honra e, em razão disso, agem movidos pelo medo de serem julgados por aqueles que mais temem? Vigiam porque têm medo de quem os vigia, reprimem para sustentar a boa opinião que os vizinhos terão deles. É inevitável eles se assemelhem pela falta, pela fraqueza, pela baixeza dos seus hábitos. Por outro lado, o anonimato é signo de distinção, de liberdade, de possibilidade de perceber quem é o inimigo para que as nossas forças não sejam desperdiçadas gratuitamente. E, além disso, o anônimo faz a distinção fundamental entre pequenas e grandes questões. Grandes questões nascem quando se vê a folha de uma árvore inserida num todo: galhos, tronco, a árvore no ambiente onde vive e cresce. Grandes questões não estão dissociadas da habitação, do ar que se respira, do que se alimenta, como se ganha o seu próprio pão. Grandes questões colocam em dúvida valores que entravam a exploração de novas capacidades de agir. Já as pequenas questões, que são mais freqüentes, se contentam com a folha da árvore e ignoram o resto. Pequenas questões nos dizem que tal pessoa é assim e assado em razão disso e daquilo – e lá se vão grandes doses de energia desperdiçadas para a preservação de alguém que imagina viver desconectado do resto, de um “eu” que ora sofre, que ora está feliz, que também canta, dorme, come, que vive para se exibir. Assim as grandes questões são adiadas, pois elas não são interessantes quando o orgulho doentio à raça, ao sexo, à classe social, e demais representações, servem para manter um social banalizado.

FONTE DO TEXTO: amauriferreira.blogspot.com
FONTE DA IMAGEM: taimologia.blogspot.com

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Morte no campo: nosso clamor é mesmo inútil?

por Helen Lopes de Sousa


Segundo o ensaísta Hans Magnus Enzensberger, ‘o homem é o único primata que planeja o extermínio dentro de sua própria espécie e o executa entusiasticamente e em grandes dimensões’. Já os filósofos Gilles Deleuze e Feliz Guattari definiram a ‘máquina de guerra’ como ‘exterior ao aparelho de estado’. Fica a pergunta: como caracterizar o atual estado de coisas? Como definir as centenas de assassinatos de camponeses no Brasil atual? Como parar esta máquina de guerra que funciona em silêncio? O noticiário frequente da imprensa revela a vulnerabilidade e insegurança que vivem os milhares de trabalhadores rurais do país. Não existe uma política séria de enfrentamento do problema. De quem é a culpa?
O assassinato é sempre culpa do ‘outro’. Ninguém se arvora em querer partilhar com os assassinatos. O assassinato de camponeses, ativistas, religiosos é um tipo de latifúndio improdutivo que ninguém quer dividir. As mortes dão à sensação de que algo aconteceu, quando nada parece ter acontecido. Trata-se de uma coisa que sempre esteve presente em nossa tosca sociabilidade, algo que acontece sem parar. Uma máquina sangrenta e silenciosa. No Brasil, assassinato de trabalhadores rurais cumpre sua função nos rituais antigos de sacrifícios, servem para nos purificar. Diante das notícias todos se indignam, lamentam, ficam mais ‘bonzinhos’.

Crueldade
A CNBB torna-se santificada... Os políticos se mostram consternados... Os movimentos sociais correm com as caras compungidas e seguram os caixões como se fossem os proprietários privados da dor. Os assassinatos de camponeses têm a vantagem de revelar a inutilidade do nosso clamor. Nosso clamor não está nos assassinatos. O campo não é o mundo das idéias. Lá, o mundo é sangrento e cruel. Portanto, o assassinato é uma maneira eucarística do nosso clamor. Devoramos aqueles corpos como devoramos um prato de chambarí. O assassinato é iluminista, uma aula de vida, melhor, de morte.

Fato comum
Os assassinados/assassinos são mais profundos do que nós. Nós falamos, eles estão atolados até o pescoço na escrotidão do sangue e da merda fétida. Eles nos limpam e nos aliviam. Graças a Deus, não estamos lá. Graças a Deus, podemos-nos ‘injuriar’, nos ‘indignar’. Os assassinos cumprem as ordens invisíveis advindas das mais variadas partes: dos fazendeiros, dos políticos, dos juízes, da lógica colonialista e escravagista e secular. Para eles não existem assassinatos, muito menos assassinos, trata-se apenas de mais um dia comum e corriqueiro e agitado de quem sobrevive no inferno. Os assassinos são nossos enviados especiais, nossa tropa de elite. Os assassinos (desde Chico Mendes, Dorothy Stang, dos 19 sem-terra etc.) são nossas vanguardas, nossos guardas. Fica a sensação de que ‘bem’ e ‘mal’ se misturaram numa massa sangrenta. O país fica chocado, indignado, mas ninguém sabe da verdade. É como se todas as pessoas fossem assassinas e vítimas simultaneamente.

Destino
Os assassinos deixam entrever a síntese do que é o Brasil. Eles agem enquanto os mantenedores da política de extermínio, da nova ordem mundial. A culpa é sempre da vítima. Na verdade, ninguém tem o direito da escolha: nem morto, nem matador. Os incontáveis assassinatos de camponeses servem enquanto coisa útil, porque aprendemos mais sobre o Brasil... Aprendemos muito sobre nosso destino escroto, sobre as reformas que a democracia não quer fazer... Aprendemos que reforma agrária é discurso vazio em momentos de campanha eleitoreira... Aprendemos que a morte é coisa simples e banal... Aprendemos com os assassinatos sobre o oportunismo dos bons.

Culpa
Com os assassinatos de camponeses aumentaram o patrulhamento sobre qualquer debate que discorde da reforma agrária clássica dos sem-terra. Debater sobre as questões da agroindústria e da produção de alimento é ser visto como representante do ‘neoliberalismo de direita’. Os assassinatos de trabalhadores rurais fazem o governo reconhecer um erro político para não cometer um erro político.
Os intelectuais, por sua vez, adoram uma tragédia figée, em galantine, uma tragédia em conserva. Preferimos as tragédias simbólicas. Uma miséria boa e interpretativa. A tragédia e a miséria tinham uma função social: aplacar nossa consciência. Antes, a tragédia existia enquanto mera figurante, agora, ela quer ser coadjuvante principal. Os assassinatos nos revelam como o humanismo é pouco, diminuto.
O assassinato mostra que os fatos correm mais velozes do que as interpretações, do que nossa piedade e condolências hermenêuticas que não explicam nada. Vejam as decisões sublime do tribunal de justiça do Pará sobre Eldorado do Carajás: ‘a culpa foi das vítimas!’ foram 19 culpados. Por fim, os assassinatos demonstram que uma solução para o campo não emociona ninguém, que não estamos suficientemente preparados para realizá-la. Não gera votos, essa é a verdade.

FONTE: Jornal Primeira Página
http://www.primeirapagina-to.com.br/noticia.php?l=b211bd91d7193df336c3300a51e308c7
Ed. Nº 984, Palmas-TO, 19 a 25 de junho de 2011