segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Corpo e intensidade: a saúde como capacidade de experimentar a vida em sua constante mutabilidade e desvio – Hélia Borges com a presença do curador André Martins » cpfl cultura

Corpo e intensidade: a saúde como capacidade de experimentar a vida em sua constante mutabilidade e desvio – Hélia Borges com a presença do curador André Martins » cpfl cultura

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Um hino à vida, à liberdade e à integração entre os povos



Fonte: YouTube

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

SIGNIFICÂNCIA E SUBJETIVIDADE SUBILIMINAR


Alexandre Lacerda Alves

A observação sistemática do comportamento atualmente preponderante da sociedade moderna me leva a considerar a significância aparentemente invertida de suas premissas e diretrizes, pois, parece que sua raiz, seu berço mesmo, qual seja, o homem como célula primária da gênese da própria civilização e, consequentemente, da sociedade que a compõe como parte apenas, parece cada vez ocupar um papel mais restritivo, face ao que é tido como valores dominantes. Engraçado ou lamentável observar é que a conseqüência do problema está na sua própria raiz, no seu cerne propriamente dito. Ou seja, o próprio homem que, ávido por competição e na tentativa de “garantir seu lugar ao sol”, atropelou a si próprio, seus próprios sonhos, quando deixou de cultivar valores emocional-afetivos, morais/éticos, para simplesmente ter de ser, enquanto poderia escolher poder ser. Logo, um dos grandes dilemas da filosofia moral pode ser resumido nas seguintes questões: Existem ou não valores morais válidos para todos os homens? Como justificar a classificação das ações em moralmente corretas ou incorretas, boas ou más? O que preocupa é que reconditamente, mas com firme avanço as pessoas (olhando de maneira maximizada e generalizada apenas), se deixam perder nestes objetivos paradoxais, porque se enquistam de medos e formulações defensivas daquilo que as poderia libertar deste ciclo, enquanto não se apercebem de que, desta maneira, na verdade enceguecem a razão, obscurecem o discernimento e acabam por ficar aprisionadas na não liberdade do pensar e do sentir. Acabam por tolher, quando não limitam e/ou mutilam sua potência criadora, pois a liberdade existencial ficou perdida no tempo gasto em se transformar em “coisas” cuja identidade está perdida, tornando-se amarguradas e às vezes pessimistas, combativas, quando este comportamento bifurcado suga-lhes a energia de viver, tornando-as ainda mais defensivas e perseguidoras de sucesso, como se essa fosse a nova panacéia capaz de suprir aquilo que a simplicidade do coração humano perdeu para a complexidade de conceitos e metas auto-impostas a cada dia. 

Não quero preconizar que este seja o fim ou que esta decadência de princípios seja o novo paradigma dos dias atuais, até porque, muito se tem criado de positivo. Mas, quando se observa a maioria, como ela reage como “massa”, pergunto-me onde o “indivíduo” que se potencializa na realização pluralizada, no conjunto. Por que tanta solidão, tantas angústias manifestas no anonimato de sorrisos vazios e/ou de maculados brilhos que ferem o brio da sensibilidade seqüestrando o que deveria ser na verdade um aspecto simples e transitório do viver e tornou-se algo maior, tão subjetivo que sequer o entendemos mais. Onde as alegrias simples que purificam o coração? Porque preterir esse estado de felicidade pueril à ditadura de conceitos endurecidos? para que essa ‘engrenagem’ social possa continuar como boca faminta a tragar mais e mais incautos corações? Creio ainda que na nossa essência precisemos de muito pouco para transcender, expandir-nos de maneira tal que o estado de felicidade possa alcançar nosso caráter objetivo das coisas. Mas, creio igualmente que seja necessária a mísera coragem de nos desapegarmos do racionalismo complexo que criamos para defender tais posturas e postular um modo mais aberto, com menos mecanismos engenhosos de defesa contra aquilo que na verdade me parece a nossa essência, ou seja, nossa humanidade, que grita por mais espaço e liberdade, tão suprimida está por isso tudo. 

A conexão com os outros precisa deixar de ser percebida como competição adicionada. Como marco de superação um contra o outro e porque não, contemplar como elemento e maior empatia regeneradora, mais energização pelo que podemos nos oferecer e não subtrair. Assim, nessa soma, nos engrandecemos, alçando vôo para a plenitude dessa humanidade que ficou tão acanhada... irrisória em nossa miserabilidade criada e sustentada por um coletivo distorcido e deturpado. Sinto que precisamos encontrar-nos mais com nós mesmos, cuidar das feridas uns dos outros, expressar nosso afeto, abrir espaço para as demonstrações empíricas e concretas dos nossos sentimentos, porque a inteligência tão somente experimentada já provou que pode gerar mais aridez que fecundidade, afastando as pessoas e gerando ainda mais desolação. Mas, é preciso coragem para reconhecer isso, porque na inversão de valores em que vivemos isso é percebido como fraqueza dialética e pragmática. 

Nossas idiossincrasias deveriam voltar-se para o cultivo da alegria de compartilhar, da magia de dividir para somar, de nos fazermos mútuos, unos. Capazes de uma coletividade mais assegurada e asseguradora do que somos, multiplicando nossos conceitos primários em força secundária, capaz de nos sustentar em uníssono humano criador e gerador de apoio mútuo. Dentre essas características existem duas problemáticas. São: o “eu dividido” e o “eu individual”, pois na primeira as duas faculdades estão separadas, porém devem estar unidas para poderem juntas serem base para a vontade racional. E na segunda característica, o objetivismo vê o eu como tendo uma essência fixa, mas não há alguma “coisa” estática que é ou deva ser, que determina o que o agente moral deva fazer. A identidade de alguém como agente moral muda e é moldada pela forma de alguém deliberar sobre seus fins e propósitos. Ainda penso que, o erro emotivista é afirmar o eu dividido – a bifurcação de razão e desejo – e depois colocar a moralidade fora da razão. A moralidade não é prática porque, por si mesma, não pode nos mover à ação, pois a moralidade não tem nada com as qualidades objetivas de ação ou caráter, mas somente com nossa resposta sentimental quando contemplamos tais ações ou estados de caráter. Tal concepção depende da aceitação de uma estrutura conceitual incompatível com os resultados recentes das ciências cognitivas. Captura pouco da nossa experiência como seres humanos e descuida dos aspectos básicos das situações morais problemáticas particulares. Negligencia uma concepção de moralidade como exploração das possibilidades do florescimento humano, isto é, uma concepção expansiva e construtiva e não negativa e restritiva. Por isso dividimos, enfraquecemos, afastamos, singularizamos ao restringir nossos objetivos e trazer nossa capacidade quase infinita de sentir para grupos cada vez menores, revelando uma obsolescência crua do deveria ser maturidade plena dos nossos sentidos. 

Se fizermos uma reflexão mais honesta sobre estas observações, admito que as conclusões podem (e devem ser diversas), inobstante isso, porém, há pontos de coesão que merecem uma observação mais detida, pois no mínimo não deixa de representar uma autocontradição humana. Nós buscarmos tanto a qualidade de vida entronizada por estes valores contemporâneos e para isso deixarmos de lado o elemento fundamental: nossa humanidade, com quase tudo que ela tem de mais rico, ou seja, sua fragilidade que nos leva a buscar a capacidade de superação e o desenvolvimento das nossas virtudes mais verdadeiras. Pensemos nisso. Mas não como pensamos de forma geral, relativizando as questões. Pensemos de forma viril, consistente, confiante; porque com certeza a resposta, de tão concernente nos surpreenderá: para vivermos os dias de hoje por nossas próprias regras, deixamos de viver pelas regras da vida. O ser humano é apaixonado e apaixonante e não se convenceu ainda que sua essência é emocional, derivando para o intelectualismo, domado pelos sentimentos educados pela ética individualmente assimilada a partir do autoconhecimento e do aprendizado externo, pois, somente desta forma ele poderá ter chances de eliminar tais dogmas e conflitos, sejam eles subjetivos e/ou relativos, sejam eles brumas circunstanciais ou densas nuvens existenciais persistentes e pressupostas no seu modo de “pensar” a vida, pois a verdade, na sua maior acepção é simples: as paixões e a razão exercem força sobre a vontade que por sua vez exerce força sobre o corpo e as ações. A vontade pode resistir à força exercida pela razão e, muitas vezes, à força exercida pelas paixões. As paixões e a razão exercem forças opostas. Entendido isso, cria-se liberdade real, gosto pela experimentação, potência humana que gera amadurecimento, capacidade de discernimento mais claro e simples, menos angústias e agonias incompreendidas, mais chances de inverter valores e caminhar com maior segurança para algo que se quer de fato. Não para aquilo que imaginamos querer a partir do “self” coletivo, tanto quanto, a partir do imaginamos que somos e podemos a partir das nossas experiências e limitações. Afinal, do que é realmente capaz o ser humano? E, este paradoxo,deixará de nos consumir e anular. Porquanto, a verdade é tão mais simples. Tão menos objetiva, tão mais sensível e bela. A verdade somos NÓS. E como isso é apreciável.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Michel Onfray- Uma escola libertária e elitista para todos


Entrevista com o filósofo Michel Onfray
[texto retirado da e-revista Brasileira Escola Pública]

Demissionário do sistema de educação do Ministério da Educação Nacional Francês e colocando-se explicitamente dentro da tradição do século 19, o filósofo Michel Onfray fundou, em 2002, uma universidade popular em Caen, com o objetivo de democratizar a cultura, proporcionando gratuitamente o saber para o maior número possível de pessoas - um novo Jardim de Epicuro, mas fora das paredes, lançando as bases para uma autêntica "comunidade filosófica" contra o mercantilismo dos saberes. Outros antes dele haviam pensado em fazer isso, mas sem tomar uma atitude efetiva-principalmente os militantes da ONG Droits Devant! (Direitos em Frente!) quando estes ocupavam o prédio da rua du Dragon, em Paris, em 1994. Dentro da lógica de Michel Onfray, a universidade popular se inspira na universidade tradicional (qualidade das informações, progressão pessoal, transmissão de um conteúdo antes de todo debate).
Contudo, ela conserva do café filosófico à abertura para todos os públicos, a utilização crítica dos saberes e a prática do diálogo. A fórmula precisa respeitar determinados critérios: os docentes são benévolos; as aulas são gratuitas; os participantes totalmente livres. Participa quem quer, sem precisar se inscrever previamente, sem condições de idade ou de diploma, e sem precisar submeter-se a um controle dos conhecimentos. Os curso articulam-se entre uma exposição e uma discussão entre o professor e a plateia. Desde 2003, Michel Onfray oferece, a partir do mesmo modelo, uma universidade popular de verão no Lazaret de Ajaccio (na Córsega). Iguais a estas, outras surgiram, contando, em muitos casos, com o apoio das coletividades locais: perto de Arras (Pas-de-Calais, norte) e em Narbonne (Aude, sudoeste), sendo agora a vez de Lyon.
Nesta entrevista Michel Onfray defende o poder emancipador da pedagogia libertária. A miséria social e moral das nossas sociedades impõe a necessidade de ensinar a todos um saber alternativo e crítico, até porque muitos intelectuais deixaram de se preocupar em tornar popular o saber filosófico.

Le Monde de L'Éducation - Na sua obra La Communauté philosophique (Galilée, 2004) você escreve que "o pedagogo libertário trabalha para o seu apagamento pessoal, e cultiva o poder interrogativo de toda a subjectividade". Por que é que este poder se encontra esgotado no aparelho escolar, quando ainda existem certos professores que conseguem despertar e responder ao desejo de saber dos alunos?

Michel Onfray - A instituição escolar é esquizofrênica: ela tem um discurso, mas leva a cabo uma prática nos antípodas daquele discurso. O discurso é este: a escola forma a inteligência, constrói indivíduos cultivados cujo saber lhes permitiria desenvolver juízos esclarecidos, ensina a ler, a escrever, a fazer contas, a pensar, ela formaria o cidadão ao educá-lo para a liberdade. Mas, a verdade, é que na prática ela negligencia a inteligência para privilegiar o exercício da memória e da repetição calibrado em função de um programa feito para isso. A educação nacional ensina, sobretudo a submissão, a docilidade, a hipocrisia, o artificial. Só assim se pode explicar que num curso de 7 anos de inglês se consiga fazer tão poucos jovens bilíngues. O que é que se aprende durante aquelas intermináveis horas de aprendizagem de línguas senão a arte de bem funcionar dentro da máquina que permita a passagem para o ensino superior, e a produção de diplomas úteis para o mundo da integração social.

Le Monde de L'Éducation - Qual é a genealogia dessa pedagogia libertária que você defende? Estaria no prosseguimento de uma linha que vai de Epicuro a Freinet?

Michel Onfray- Se o termo libertário significar "o que educa a liberdade", ou "o que faz da liberdade o bem supremo", sem dúvida, que poderíamos começar com Sócrates e a sua maiêutica, a sua arte de desenvolver as potencialidades de cada qual e torná-las em realidades tangíveis, podemos depois continuar com Diógenes e os filósofos cínicos que usam um bastão para mandar embora os que procuram um mestre e a submissão. Prosseguimos com Erasmo, o grande e imenso Erasmo, e, certamente, Montaigne, que tanto lhe deve, para falar de várias matérias, como a Educação e tantas outras. Passamos depois para Nietzsche que ensina que um bom mestre é aquele que aprende aquilo que se desprende de si. Seria preciso ainda falar, com certeza, dos autores libertários, que a história conheceu, como Max Stirner e o seu "Falso Princípio da Nossa Educação", Sébastien Faure, que aplicou o seu método em La Ruche, mas ainda A.S. Neill e os seus "Jovens livres de Summerhill" que me fizeram desejar tornar-me professor antes de me desiludir na Escola Superior de Educação. Seria ainda preciso acrescentar o excelente livro "Advertência aos estudantes e liceais" de Raoul Vaneigem.

Le Monde de L'Éducation - Uma certa concepção da pedagogia libertária - nomeadamente a que defende a espontaneidade do aluno - não fará o jogo do "novo espírito do capitalismo" que pretende apoiar a participação dos "atores"? Não contribuirá ela para o idiota útil do "neoliberalismo"?

Michel Onfray- Tem razão.Eu sou um ardente defensor de Maio de 68 e do espírito de Maio, que se definia por uma revolução metafísica antiautoritária. Os dominados punham em causa os dominantes. Os pares tradicionais - mulheres/homens, jovens/velhos, empregados/patrões, esposas/maridos - deixaram de ter um estatuto divino. E tudo isso foi uma coisa boa. Mas à negação dos velhos valores não se seguiu uma positividade. Destruir é bom se, e somente se, propusermos a seguir uma reconstrução. Os valores libertários, por exemplo, mereceriam mais que os simples elogios da indolência, da espontaneidade, do natural, do porreirismo generalizado por via da desvalorização do rigor que se mostrou tão pouco democrático quanto demagógico. Porque esta renúncia à memória, ao esforço, ao trabalho, à cronologia, e todas essas categorias consideradas reacionárias fizeram efetivamente o jogo do poder, que prefere ter um rebanho de inculto embrutecidos que indivíduos apetrechados com o saber e a cultura. A pedagogia libertária não é a pedagogia liberal pós-anos 1960 que deixa o jovem livre na turma, e que dá plenos poderes à competição entre classes sociais, e que é, ela própria, geradora de reprodução social.

Le Monde de L'Éducation - "Passamos de um ensino autoritário a um ensino clientelar", escreve Raoul Vaneigem num texto recente sob o título Modeste Propositions aux Grévistes ( Verticales,2004). "O endoutrinamento suscitava, ao menos, a revolta, a propaganda estimulava o seu oposto, o desejo de pensar de outra forma. O feiticismo do dinheiro enfraqueceu o pensamento que ruge e incomoda." Concorda com esta análise?

Michel Onfray- Vaneigem é um amigo que me estimula - ele acaba por me ultrapassar pela esquerda! - mas não partilho o seu otimismo que está, de resto, na gênese do seu radicalismo político: no meu entender, a autoridade produz uma submissão massiva, pois o medo, o temor e o desejo de servidão voluntária são grandes. A revolta não é gerada pela ditadura - se assim fosse, seria preciso desejarmos a ditadura enquanto momento dialético das revoltas lógicas - mas por temperamentos rebeldes, revoltados, insubmissos gerados por razões existenciais que só uma psicanálise à maneira sartriana - descobrir o projeto original - permitiria compreender. Conheci períodos da minha vida - nomeadamente os sete anos de pensionato, quatro dos quais no orfanato dos salesianos - que fizeram de mim aquilo que sou hoje, mas que também fizeram uma multidão de indivíduos castrados da vida e orgulhosos de o ser. Uma mesma causa não produz felizmente os mesmos efeitos em todos nós. É preciso levar em consideração o prazer de estar submetido, tal como existe com tantas pessoas.

Le Monde de L'Éducation - É procurando retomar o que há de melhor nos cafés-filosóficos e nas Universidades (a liberdade dos primeiros e a seriedade da segunda), ao mesmo tempo em que rejeita o que há de pior em cada qual (o extravasamento de um lado e a secura do outro), que você decidiu fundar a Universidade Popular de Caen. Mas também com o objetivo de retomar e prosseguir o ideal nascido no tempo da questão Dreyfus. Em que medida é ela um meio de lutar contra a situação de crise por que a França atravessa: miséria social, racismo, bloqueios nacionais-populistas etc?

Michel Onfray- O saber é um poder. Posto isto, é preciso um saber específico suscetível de permitir a libertação e não a alienação. A filosofia não é de fato um instrumento de libertação: ensinar as ideias platônicas, falar da Cidade de Deus de S. Agostinho, das teses tomistas, da aposta de Pascal, do ocasionalismo de Malebranche, da angústia de Kierkegaard e de tantas outras matérias da história da filosofia ajudam mais a manter o poder instalado e permitir o domínio do cristianismo do que a emancipar o aprendiz em filosofia. Daí o interesse em ensinar quer um saber alternativo, quer um saber clássico, mas de maneira alternativa, isto é, crítica. A subversão cínica, o hedonismo cirenaico, a libertação epicurista, a alegria gnóstica, só para ficar na Antiguidade, são ilustrações de saberes alternativos; ou então, falar dos saberes clássicos, mas de maneira alternativa: mostrar que o conceito errôneo de pré-socrático, desvalorizando os predecessores socráticos, pressupõe uma escrita platônica da história da filosofia, explicar as razões da evicção do materialismo de Demócrito (cuja obra completa Platão queria queimar em auto-de-fé). Estes saberes permitem construir uma inteligência crítica, mas também realizar um trabalho sobre outras matérias, nomeadamente as que estão associadas a essa crise que referiu.

Le Monde de L'Éducation - Você costuma recordar que intelectuais como Alain, Péguy, Bergson e tantos outros, frequentaram e animaram cursos de educação popular, lançados pelo tipógrafo anarquista Georges Deherme. Os intelectuais dos anos 2000 esqueceram o seu papel de educadores e a ideia de tornar popular, a filosofia?

Michel Onfray- A nossa época midiática produziu dois tipos de intelectuais: o primeiro, especializou-se na miséria limpa, uma miséria longínqua que permita uma postura declamatória à maneira teatral, reproduzida logo de imediato pelos mídia. Tendente a ser midiatizada, e não precisando de nenhum outro compromisso que não seja o verbo, a carta postal ou a consulta de um livro, ela permite tocar o trompete dos grandes princípios maiúsculos: Humanidade, Liberdade, Direitos do Homem etc. O segundo, ocupa-se antes da miséria suja, a que envolve os explorados, os operários, os miseráveis e os excluídos do sistema, as vítimas e outros dejetos do liberalismo, a ideologia defendida pela maior parte dos primeiros. Os intelectuais dos anos 2000 não cuidam da educação popular nem de tornar popular a filosofia: o seu saber é utilizado para fins financeiros, traduzíveis em moedas reais ou simbólicas, mas nunca com o objetivo de uma crítica social.

Le Monde de L'Éducation - Um curso magistral pode ser libertário?

Michel Onfray- Sim, se o magistério do curso magistral for aquele que indiquei ainda há pouco: um mestre libertário que cuida antes de tudo em cartografar e de identificar o conjunto das situações que estão em jogo, fornecendo depois uma bússola e o seu modo de emprego, isto é, convidar cada qual a fazer a sua própria viagem.

Le Monde de L'Éducation - A Universidade popular histórica acabou por desaparecer antes da Primeira Guerra Mundial em razão de causas e desinteligências internas. A Universidade popular tem tido um grande sucesso. Como evitar os perigos?

Michel Onfray- A Universidade popular é um organismo vivo e, como tal, mortal. Os três anos da sua existência já permitem identificar alguns vírus, erros e ataques. Tudo normal. A Universidade popular tem tido efetivamente um grande sucesso público e popular, gerou uma verdadeira energia alternativa, propõe um intelectual coletivo - para usar a fórmula de Bourdieu - eficaz, que logo perturba e incomoda. É normal que a nossa aventura atraia invejas e revele os medíocres, os invejosos, e outras figuras de ressentimento que não existem e não vivem senão por e para a destruição. Mas nós somos uma comunidade de amigos, no sentido epicurista, que vamos experimentando o verdadeiro poder da amizade epicurista. E, depois, sejamos nietzscheanos, o que não mata fortalece-nos. Para o resto, só o Deus das universidades populares poderá dizer se a experiência desaparecerá - sim, porque ela sempre desaparecerá -, seja como vítima da síndrome do recém-nascido ou do catarro dos velhos, seja por suicídio próprio na flor da idade ou por um esgotamento centenário.

Le Monde de L'Éducation - Uma educação "elitista para todos". Esta fórmula do dramaturgo Antoine Vitez adaptada à educação mantém-se atual?

Michel Onfray- Mais atual do que nunca. Gosto mesmo do oxímoro, uma figura de estilo que, associando dois termos aparentemente contraditórios, gera um sentido novo: universidade popular é realmente um oxímoro espantoso! O elitismo para todos, também. Percebe-se que, para além da pura e simples justaposição verbal, para além do simples jogo de palavras, uma nova significação emerge à luz do dia. A expressão elitismo para todos supõe uma outra definição de cada um dos termos; trata-se de dar o melhor ao maior número, porque o melhor existe, sem dúvida, mas normalmente só é dado aos melhores, pelos menos, aqueles que assim são qualificados pela máquina social. Quando é destinado a todos, ao maior número - é essa a minha definição de popular, e também a de Michelet - o elitismo brilha com outra clareza, que muitos se têm esquecido, e que é a da luz do iluminismo.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Entrelinhas - Eduardo Galeano

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O LUGAR DO SOCIAL NA EXISTÊNCIA HUMANA

Amauri Ferreira

É necessário destacar a diferença que há entre um social que se banalizou, de outro que tornou-se enriquecido, que se exprime, muitas vezes, na sensação de que tivemos um dia prolífico, satisfeitos com nosso próprio trabalho, com a certeza de termos avançado ainda mais longe na nossa própria tarefa. Mas costuma-se imaginar que aqueles que falam com e como todo mundo são “sociáveis”, pois eles são facilmente identificados, facilmente tornados familiares, enquanto os outros seriam os “dissociáveis” e, justamente por isso, supostamente pagariam um preço alto por não viverem “como tudo mundo”, por não fazerem as coisas que “todo mundo faz” - e assim são acusados de viverem “isolados”. Mas não se trata de isolamento, mas de algo que é muito sutil, que não se percebe, que é ignorado freqüentemente: trata-se da capacidade seletiva de nos relacionar com as coisas que realmente nos interessa, que, inclusive, podem ser pouquíssimas, quando comparada à abertura leviana e sem seletividade vivida pela multidão. Não se constrói um mundo próprio quando se vive de maneira vulgar – em oposição a isso, o mundo selecionado de acordo com nós mesmos, devido à nossa própria potência de existir, torna a indolência difícil de suportar. Fazemos explodir a organização tirânica da vida, esta que é sustentada pela censura, culpa, sofrimento, recompensa, reconhecimento (não se conquista um mundo próprio enquanto se vive capturado pelo reconhecimento), igualdade e medo, muito medo. Como nos parecem os que se preocupam em defender a sua honra e, em razão disso, agem movidos pelo medo de serem julgados por aqueles que mais temem? Vigiam porque têm medo de quem os vigia, reprimem para sustentar a boa opinião que os vizinhos terão deles. É inevitável eles se assemelhem pela falta, pela fraqueza, pela baixeza dos seus hábitos. Por outro lado, o anonimato é signo de distinção, de liberdade, de possibilidade de perceber quem é o inimigo para que as nossas forças não sejam desperdiçadas gratuitamente. E, além disso, o anônimo faz a distinção fundamental entre pequenas e grandes questões. Grandes questões nascem quando se vê a folha de uma árvore inserida num todo: galhos, tronco, a árvore no ambiente onde vive e cresce. Grandes questões não estão dissociadas da habitação, do ar que se respira, do que se alimenta, como se ganha o seu próprio pão. Grandes questões colocam em dúvida valores que entravam a exploração de novas capacidades de agir. Já as pequenas questões, que são mais freqüentes, se contentam com a folha da árvore e ignoram o resto. Pequenas questões nos dizem que tal pessoa é assim e assado em razão disso e daquilo – e lá se vão grandes doses de energia desperdiçadas para a preservação de alguém que imagina viver desconectado do resto, de um “eu” que ora sofre, que ora está feliz, que também canta, dorme, come, que vive para se exibir. Assim as grandes questões são adiadas, pois elas não são interessantes quando o orgulho doentio à raça, ao sexo, à classe social, e demais representações, servem para manter um social banalizado.

FONTE DO TEXTO: amauriferreira.blogspot.com
FONTE DA IMAGEM: taimologia.blogspot.com

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Morte no campo: nosso clamor é mesmo inútil?

por Helen Lopes de Sousa


Segundo o ensaísta Hans Magnus Enzensberger, ‘o homem é o único primata que planeja o extermínio dentro de sua própria espécie e o executa entusiasticamente e em grandes dimensões’. Já os filósofos Gilles Deleuze e Feliz Guattari definiram a ‘máquina de guerra’ como ‘exterior ao aparelho de estado’. Fica a pergunta: como caracterizar o atual estado de coisas? Como definir as centenas de assassinatos de camponeses no Brasil atual? Como parar esta máquina de guerra que funciona em silêncio? O noticiário frequente da imprensa revela a vulnerabilidade e insegurança que vivem os milhares de trabalhadores rurais do país. Não existe uma política séria de enfrentamento do problema. De quem é a culpa?
O assassinato é sempre culpa do ‘outro’. Ninguém se arvora em querer partilhar com os assassinatos. O assassinato de camponeses, ativistas, religiosos é um tipo de latifúndio improdutivo que ninguém quer dividir. As mortes dão à sensação de que algo aconteceu, quando nada parece ter acontecido. Trata-se de uma coisa que sempre esteve presente em nossa tosca sociabilidade, algo que acontece sem parar. Uma máquina sangrenta e silenciosa. No Brasil, assassinato de trabalhadores rurais cumpre sua função nos rituais antigos de sacrifícios, servem para nos purificar. Diante das notícias todos se indignam, lamentam, ficam mais ‘bonzinhos’.

Crueldade
A CNBB torna-se santificada... Os políticos se mostram consternados... Os movimentos sociais correm com as caras compungidas e seguram os caixões como se fossem os proprietários privados da dor. Os assassinatos de camponeses têm a vantagem de revelar a inutilidade do nosso clamor. Nosso clamor não está nos assassinatos. O campo não é o mundo das idéias. Lá, o mundo é sangrento e cruel. Portanto, o assassinato é uma maneira eucarística do nosso clamor. Devoramos aqueles corpos como devoramos um prato de chambarí. O assassinato é iluminista, uma aula de vida, melhor, de morte.

Fato comum
Os assassinados/assassinos são mais profundos do que nós. Nós falamos, eles estão atolados até o pescoço na escrotidão do sangue e da merda fétida. Eles nos limpam e nos aliviam. Graças a Deus, não estamos lá. Graças a Deus, podemos-nos ‘injuriar’, nos ‘indignar’. Os assassinos cumprem as ordens invisíveis advindas das mais variadas partes: dos fazendeiros, dos políticos, dos juízes, da lógica colonialista e escravagista e secular. Para eles não existem assassinatos, muito menos assassinos, trata-se apenas de mais um dia comum e corriqueiro e agitado de quem sobrevive no inferno. Os assassinos são nossos enviados especiais, nossa tropa de elite. Os assassinos (desde Chico Mendes, Dorothy Stang, dos 19 sem-terra etc.) são nossas vanguardas, nossos guardas. Fica a sensação de que ‘bem’ e ‘mal’ se misturaram numa massa sangrenta. O país fica chocado, indignado, mas ninguém sabe da verdade. É como se todas as pessoas fossem assassinas e vítimas simultaneamente.

Destino
Os assassinos deixam entrever a síntese do que é o Brasil. Eles agem enquanto os mantenedores da política de extermínio, da nova ordem mundial. A culpa é sempre da vítima. Na verdade, ninguém tem o direito da escolha: nem morto, nem matador. Os incontáveis assassinatos de camponeses servem enquanto coisa útil, porque aprendemos mais sobre o Brasil... Aprendemos muito sobre nosso destino escroto, sobre as reformas que a democracia não quer fazer... Aprendemos que reforma agrária é discurso vazio em momentos de campanha eleitoreira... Aprendemos que a morte é coisa simples e banal... Aprendemos com os assassinatos sobre o oportunismo dos bons.

Culpa
Com os assassinatos de camponeses aumentaram o patrulhamento sobre qualquer debate que discorde da reforma agrária clássica dos sem-terra. Debater sobre as questões da agroindústria e da produção de alimento é ser visto como representante do ‘neoliberalismo de direita’. Os assassinatos de trabalhadores rurais fazem o governo reconhecer um erro político para não cometer um erro político.
Os intelectuais, por sua vez, adoram uma tragédia figée, em galantine, uma tragédia em conserva. Preferimos as tragédias simbólicas. Uma miséria boa e interpretativa. A tragédia e a miséria tinham uma função social: aplacar nossa consciência. Antes, a tragédia existia enquanto mera figurante, agora, ela quer ser coadjuvante principal. Os assassinatos nos revelam como o humanismo é pouco, diminuto.
O assassinato mostra que os fatos correm mais velozes do que as interpretações, do que nossa piedade e condolências hermenêuticas que não explicam nada. Vejam as decisões sublime do tribunal de justiça do Pará sobre Eldorado do Carajás: ‘a culpa foi das vítimas!’ foram 19 culpados. Por fim, os assassinatos demonstram que uma solução para o campo não emociona ninguém, que não estamos suficientemente preparados para realizá-la. Não gera votos, essa é a verdade.

FONTE: Jornal Primeira Página
http://www.primeirapagina-to.com.br/noticia.php?l=b211bd91d7193df336c3300a51e308c7
Ed. Nº 984, Palmas-TO, 19 a 25 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A VIDA COMO OBRA DE ARTE


                                                      Jorge Bichuetti

O mundo e a vida andam cinzentos. Nublados... Fragmentados, passivos, racionais, seguimos... O vida tornou-se um pesado e exaustivo fardo... Robotizados, perdemos carisma, charme e alegria no viver e no existir...
A subjetividade capitalística extraiu a magia da existência... Somos homens em série e assépticos. Nesse contexto, Gandhi revoluciona, dizendo que "o segredo da arte de viver é transformar a vida numa obra de arte."
Viver, poeticamente...
Viver, performaticamente...
Viver devindo-se, no andar, no gesticular , no olhar, uma estrela bailarina...
Nietzsche afirma categórico que não vencemos nossos demônios íntimos senão com o riso, a dança e a música.
Santo Agostinho chega a afirmar que o céu não merece os que não sabem dançar...
A arte é mais do que distração, entreterimento, ilusão... É vida insurgente, virtualidade que se atualizada transforma o ser humano e o socius.
Ela nos abre os portais do devir e do porvir... Vide as lições do surrealismo.
Por exemplo, a poesia...
A poesia desnuda as tramas do ontem, as potências do hoje e é um clarão e clareira no espaço do porvir que nela germina e alvorece no entre a profecia e a gravidez...
A poesia desnuda
               profetiza
               engravida
     é germinação
     florescência
                   devir...
Ela é alucinógena, amplifica a consciência e percute o inconsciente produtivo que denuncia as devastações sociais do agora e anuncia uma nova suavidade, a justiça social e a sociabilidade solidária.
Era a cachaça de Drummond...
O ser humano é ser capaz de se fazer, desfazer-se e refazer-se.
Podemos ousar viver artisticamente.
Não se trata de produzir arte ou se enamorar das artes; trata-se de agir, pensar, vincular-se, intervir, amar, con-viver, transformando nossa própria vida numa obra de arte.
Deixar a arte penetrar e inundar a nossa pele.
Dizer palavras de amor na melodia suave de Schumann; narrar nossa dor e lamento no compasso de um jazz; guerrear no ritmo dos tambores africanos; enamorar-se na ternura de Cartola...
Viver artisticamente...
Desfazer o cinzento e colorir nossos passos no caminho: com a vivacidade da aurora que está em Yara Tupinambá, Di, Tarsila de Amaral...
Podemos mudar e nos refazer...
E refazer-se como arte é bailar no cotidiano, voar na luta e devir-se suavidade, vitalidade, poesia e dança, uma pintura visceral... Um parir-se na arte-manha do existir inventivo e inovador, poético e belo...

domingo, 5 de junho de 2011

Programa Observatório da Educação - Escrileituras FACED-UFRGS: CURSO DE EXTENSÃO – TRANSCRIAÇÕES NO COTIDIANO

Programa Observatório da Educação - Escrileituras FACED-UFRGS: CURSO DE EXTENSÃO – TRANSCRIAÇÕES NO COTIDIANO: "Coordenação Geral Profª. Drª. Sandra Mara Corazza DEC/PPGEDU/FACED-UFRGS LOCAL: FACED/UFRGS Porto Alegre, RS - Av. Paulo Gama, 110 I..."

sábado, 28 de maio de 2011

Entrevista com a Professora Amanda Gurgel para o jornal O Globo.



"Todos sabem como é a rotina de um professor", 
diz professora Amanda Gurgel

por: Paulo Francisco

A senhora esperava toda essa repercussão, no YouTube, com seu depoimento sobre a situação da educação?

AMANDA GURGEL DE FREITAS: Nunca. Eu jamais imaginei que uma situação, que para mim é tão corriqueira e tão óbvia para todo mundo, pudesse ter uma abrangência tão grande. Não tem quem não veja como é a rotina de um professor.

O que a senhora acha que está faltando para mudar a situação do professor?

AMANDA: Posso falar sinceramente: vergonha. Esse caos que existe na educação não é um caos desorganizado, entre aspas, é um caos preparado, existe uma intenção para que a educação funcione desse jeito, para que os filhos da classe trabalhadora jamais atinjam altos níveis de cultura, para que no máximo eles aprendam um ofício.

A senhora hoje tem dois empregos, acorda às 5h da manha e passa o dia todo trabalhando. Como é a vida de um professor sem condições até de se qualificar, de ler? Como faz para se atualizar?

AMANDA: Olha, é muito difícil. Para qualquer professor, isso é muito difícil. Então, na nossa categoria, até é importante tocar nesse ponto, nós vivemos uma certa crise de identidade, porque enquanto a nossa atividade sempre foi considerada intelectual, e ainda hoje leva esse nome de uma atividade intelectual, de formadores de opinião, a verdade é que nós estamos passando por um processo de proletarização, que está se acentuando a cada dia. E a nossa atividade é principalmente manter o aluno em sala de aula, independente de qualquer coisa. Por isso que muitas vezes as pessoas confundem os responsáveis pelo caos e acham que a greve atrapalha os alunos. Na verdade, a greve não atrapalha, justamente por isso, se nós não estivéssemos em greve não teríamos a oportunidade de falar sobre a educação nesse momento, porque estariam todos os alunos dentro da sala de aula controlados pelos professores, que não estariam em condições de ter uma atividade digna, de exercer a atividade docente decentemente, porque as salas são superlotadas, porque as salas são quentes aqui na nossa cidade, porque os professores não têm condições de se atualizarem. Infelizmente, não é dada essa oportunidade para os professores.

A senhora disse que o professor sofre muito de doenças psicossomáticas. A senhora já teve depressão. Como é a saúde dos professores?

AMANDA: Os professores são submetidos a uma jornada de trabalho que é extenuante, sem ter condições de trabalho dígnas. Frequentemente desenvolvem doenças relacionadas à atividade profissional e, em troca, recebem por parte dos governos mais uma forma de opressão, que é impedí-los de darem entrada em licenças médicas ou em readaptação de função. Recentemente, em um consultório, um médico disse que não poderia fornecer um laudo para encaminhar um paciente a uma junta médica porque hoje em dia professor e policial são todos assim, querem ganhar dinheiro sem trabalhar. Dentro do consultório médico ele defendeu a política do governo do estado, dizendo que o governo está muito certo mesmo. Independente do seu estado de saúde, o professor tem mais é que estar em sala de aula. Isso só reforça essa ideia que para o governo educação de qualidade é aluno controlado dentro de sala de aula, independente da condição dessa aula e das condições de saúde do trabalhador.

Depois do sucesso na internet, a senhora pretende se candidatar a algum cargo político?

AMANDA: Nunca pensei sobre isso, não pretendo no momento. Talvez as pessoas possam achar que eu fiz isso por interesse. Mas minha militância é pelas demandas da nossa categoria e não gostaria que fossem confundidas com as do partido. Não tenho pretensão política governamental, mas faço política no meu dia a dia. As pessoas que me conhecem sabem de minha atuação. Talvez em outros momentos a conjuntura possa me levar para outros rumos.


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De onde foi retirada a entrevista acima:

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Colóquio Deleuze e Guattari

Clique na foto para ampliá-la.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Chomsky e as 10 Estratégias de Manipulação Midiática

Charge Eugenio Neves

O linguista estadunidense Noam Chomsky elaborou a lista das “10 estratégias de manipulação” através da mídia:

1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.

Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.

Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a idéia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranqüilas”)”.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar idéias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.

Promover ao público a achar que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto…

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.

Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, ao invés de rebelar-se contra o sistema econômico, o indivíduo se auto-desvalida e culpa-se, o que gera um estado depressivo do qual um dos seus efeitos é a inibição da sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.

No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.

Fonte: Blog do CEA

sábado, 21 de maio de 2011

Discurso da profª Amanda Gurgel. Perfeito!

Eu, como professora do Magistério Estadual do RS, endosso e assino embaixo das palavras proferidas pela profª. Amanda Gurgel. O seu discurso igualmente atinge a todos os professores da rede estadual do RS. Solidarizamo-nos e compartilhamos suas falas, numa tentativa de nossa voz ser apenas uma em face ao que enfrentamos em nossa categoria profissional no Brasil. Parabéns professora Amanda Gurgel, por tão bem estar representando a todos nós, trabalhadores em educação, em um país onde as prioridades estão na lata do lixo.

Tânia Marques 21 de maio de 2011

sábado, 14 de maio de 2011

CURA E LIBERTAÇÃO: DO MÍSTICO À ESQUIZOANÁLISE

Jorge Bichuetti

Mortificados pelo corpo que vê corpo danificado no capitalismo e na sociedade mundial de controle, pensamos nos caminhos da libertação: cura-emancipação; cura-vida e homem novo; cura-devir... Aqui, hoje, refletiremos sobre contribuições que nos chegam das lições que brotaram no solo da transformação da psiquiatria asilar para novos modos de cuidar. Baremblitt diz que "psicótico é alguém que renunciou o mundo de vendedores e vencedores". Neste mesmo sentido, alerta-nos Michel Foucault que vivemos a ditadura da felicidade, da juventude, da beleza e da vitória... Ambos, nos indicam,  claramente, que as pressões normativas do mercado e da ideologia dominante nos obrigam e nos forçam corpos vulneráveis, que se realizam e se frustram nas teias da acumulação e da competição.
O processo de acumulação de riquezas, o mundo dos vendedores, permanece no espectro do fetichismo, da mercadoria. Os bens perdem o valor de uso e são subsumidos pelo valor de troca; e nossas vidas, coisificadas: coisificadas na venda e no processo alienado de trabalho e coisificada pela substituição do valor do ser humano, dado pela sua história de vida para uma vida que vale os objetos que a abona como vida de valor.
Um processo de desumanização...
Desumanização que se aprofunda na ditadura, percebido por Foucault. A vida é paradoxo... Alegria e dor, vitória e derrota; esperança e desalento.A beleza-padrão é uma estigmatização excludente da estética singularizante. A juventude é só uma das fases e faces da vida...
Assim, o nosso corpo não pode desvendar suas potências... Ele vive sucateado e pressionado, diuturnamente, para ser um corpo-robô... Cópia vitoriosa dada pelo mundo. Adoecemos com uma nova expropriação: roubaram nossa humanidade... O corpo fala, resiste, evita, foge... Ele não se suporta experenciar a dureza robótica que o anula como corpo-vida, vida peregrina que se inventa e se constrói no entrevero de quedas e vitórias, risos e lágrimas... Não sendo a perfeição dos vencedores e vendedores, nosso corpo escapa... e como o mundo vem subtraindo do cotidiano escapes produtivos, definhamos... Adoecemos...
Sartre com a ideia do inacabamento, do homem-projeto, conjunto de tarefas, obra em construção nos potencializa para a cura-libertação... Nos ressintoniza com o âmago da vida.
Voltando a Nietzsche, anotamos que o que belo no homem é que ele é uma passagem entre o animal e o além-do-homem; e grandioso, é que ele é um passar e um sucumbir...
Não existe possibilidade de cura-libertação, longe do resgate da nossa humanidade... Vida que experiencia, tenta, equivoca, acerta, escolhe... No universo da nossa capacidade de escolher, optar, reintroduzimos a nossa vida de potência... Porquanto, na opção restaura-se o espaço da singularidade e esvazia-se a uniformização patogênica e patogenizante...
Cura-libertação é caminho de ruptura com o mercantilismo, com a deificação do dinheiro, com o consumismo, com a escravidão a um padrão de vida - juventude viril, bruta e violenta, de vitórias e massacres, de beleza para o espetáculo, de liquidez existencial...
Consequentemente, cura-libertação emerge na potência do ser humano que se assume singularidade e desejo, sonho e opção... Vida que se inventa no perambular dos caminhos...

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Entrevista a Eduardo Pavlovsky - Elsigma

-El Psicodrama, en la Argentina, lo considera pionero. ¿Cómo surgió su interés por el campo grupal, y, sobre todo, por aplicar el psicoanálisis en él?

-Mi interés por lo grupal surgió un poco casualmente, como muchas cosas en mi vida. Me recibí de médico siendo muy joven, a los veintidós años, y a los veintitrés, entré en la Asociación Psicoanalítica. Ahora creo que fue un error, porque me parece que para ser psicoanalista hay que tener una cierta madurez y experiencia, y te la dan los años, la existencia misma. Era el más joven de todos, y estudiaba, trabajaba con algunos pacientes, sobre todo jóvenes. Pero un día, por casualidad, un colombiano, Rojas Bermúdez, me preguntó si quería hacer una experiencia de grupo con niños en un hospital. Yo le dije: ‘no sé qué es esto de grupo con niños’. Y entonces, él me respondió: ‘eso es lo bueno, te va a interesar mucho’. La verdad es que yo estaba bastante desilusionado de las clases de Psicoanálisis, me parecía que el psicoanálisis era tomado como una sociedad cerrada y secreta (estoy hablando del año 1958, en la Asociación Psicoanalítica Argentina), con un alto nivel de religiosidad en las ideas, entendiendo por religiosidad ‘la adscripción a cuerpos teóricos, científicos e ideológicos’. Se me ocurre un ejemplo muy sencillo: a veces cuando uno está en un lugar determinado dice ‘me gustaría actuar como Al Pacino o pintar como Alonso’, y a mí, no me interesaba el tipo de vida que llevaban ellos y estaba muy relacionado con lo que allí se hacía. Teóricamente, el Psicoanálisis funcionaba como una weltanschauung, como una comprensión del mundo. Retomando lo anterior, me incorporé en el hospital de niños en un Servicio de Psicopatología nuevo, y me encontré allí con chicos a los que había que agrupar, de una u otra manera, porque no se podía hacer psicoanálisis individual. Entonces empecé a atenderlos en grupo, sin tener idea de lo que era, sobre la base de los conocimientos analíticos que tenía, tomando algunos esquemas interesantes, como la transferencia, la resistencia, la interpretación. De entrada, me di cuenta de que era una cosa muy apasionante, yo estaba entrenado para estar quieto, pero allí había un grupo de niños jugando, en movimiento. Esto fue para mí una verdadera conmoción, porque aparecían aspectos desconocidos, que no tenían lugar en el encuadre psicoanalítico, y yo, en ese momento, estudiaba psicoanálisis, iba a supervisión, era un alumno del psicoanálisis. Pero el grupo me daba un lugar de exploración, me sentía como alguien que entra en un lugar nuevo, creativo. En esa época, no había grupos de niños en Buenos Aires; había grupos, sí, estaba Tahier en el hospital Británico, Salas en otro lugar, eran dos o tres los que trabajaban con grupos, pero no había algo escrito. Hacer psicoanálisis era fácil, porque tenías a tu disposición todo un cuerpo teórico, que en psicoterapia de niños no había. Y nosotros empezamos a trabajar con mucho entusiasmo, atendíamos varios grupos (Rojas Bermúdez, Martínez, María Rosa Glasserman, Fidel Moccio y yo) y nos supervisábamos entre nosotros. Hacíamos rol playing, por ejemplo: en tal grupo, ¿qué decís?, no teníamos mucha idea. Lo que sabíamos era que había una mejoría, porque hacíamos grupos de madres, y los niños mejoraban a través de las dos sesiones semanales de grupo. Ahí el esquema referencial era el psicoanálisis y la psicoterapia de grupo. Después, yo atendí niños muy graves, mandados por algunos neurólogos del hospital, chicos epilépticos. Daba la casualidad que el neurólogo, que trabajaba allí, había hecho él mismo psicoterapia de grupo, y le parecía que un grupo de niños podía ser muy interesante. Nosotros éramos pioneros, fuertes en personalidad, y entonces continuábamos con mucho interés este emprendimiento. Fuimos a un Congreso Internacional en Londres en el 64, llevando nuestra experiencia. Simultáneamente, los niños empezaron a jugar, y esto nos dio una matriz interesante, porque si hay algo que un psicoanalista no sabe, es jugar, es una de las cosas más difíciles del mundo, uno en general está sentado, escuchando. Esta experiencia nos introdujo en el mundo del juego, y ellos aprendieron a jugar. ¿Qué es jugar?, tomar roles, ‘vamos a jugar al vigi-ladrón’. Ellos nos adjudicaban a nosotros roles por los cuales teníamos que jugar también. Estamos hablando del año 58 o 59, estoy haciendo una síntesis. De ahí, pasamos al Hospital de Clínicas (en el 61, 62) donde ya estaba todo más sistematizado. Luego fuimos a Nueva York a ver a Moreno, que era el creador del Psicodrama, en el 62 creo o 63. Él era un médico sefardí muy culto, que no tenía ninguna simpatía por el psicoanálisis, pero nos veía, a Rojas y a mí, como punta de entrada del Psicodrama en Latinoamérica. Sabía que éramos analistas, pero que, al mismo tiempo, estábamos muy interesados en lo dramático. Entonces nos quedamos allí un tiempo, haciendo entrenamiento dramático con Moreno, y luego, cuando volvimos a la Argentina, fundamos la Asociación Argentina de Psicodrama, en el 63. Leia mais aqui.

Fonte de referência para este post: http://deleuzefilosofia.blogspot.com/

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Escola Nômade de Filosofia - Mil Platôs e Esquizoanálize - Micropolítica e uso dos afetos

Gilles Deleuze e Felix Guattari por Luiz Fuganti





Visite o site: Escola Nômade de Filosofia 
                     http://escolanomade.org/

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A cada corpo a sua própria face: notas sobre a "Lei da Burqa"

Fonte e autoria deste post:  
A Navalha de Dalí, blog do meu amigo Murilo Duarte Costa Corrêa

« Si vous êtes pris dans le rêve de l’autre, vous êtes foutu ».
Gilles Deleuze

Certa vez, Gilles Deleuze disse: “Se você ficar preso no sonho do outro, você está fodido”. As palavras do filósofo francês aplicam-se, ainda hoje, às mulheres muçulmanas, mas também a nós mesmos. Há, sem dúvida, debates extremamente relevantes acerca do projeto de lei que proíbe a dissimulação do rosto no espaço público francês; dentre os argumentos favoráveis e contrários à proibição, uma ampla gama de razões encontra um de seus extremos na liberdade religiosa, por vezes nos discursos de tolerância - contrários àquilo que se pode crer ser uma medida legal xenófoba -, e chega, em outro extremo, a discursos que compreendem o projeto legal pelo viés feminista, liberatório, concessor do espaço público ao rosto feminino etc. Entre esses dois extremos, argumentos que vão dos direitos humanos (liberdade religiosa, igualdade feminina e direito de se vestir) ao multiculturalismo.
Todos esses argumentos – absolutamente válidos – já foram explicitados em diversas ocasiões desde o dia 13 de julho. Por serem exemplares, cito os textos de Raphael Neves, Hugo Albuquerque, André Egg, Sergio Leo e Raphael Garcia. Sem dúvida, há outros; cito os cinco porque os li, e porque os creio exemplares de alguns argumentos dessa série que tento alinhar sob um mesmo continuum.
*
Não, eu não sou contra; não, eu não sou a favor. Não, eu não sou indiferente. Em primeiro lugar, não se trata de um projeto que simplesmente proíbe a utilização de Burqa ou Niqab por mulheres, e não vai liberá-las definitivamente deles. Trata-se de « Projet de loi interdisant la dissimulation du visage dans l’espace public », i.e., projeto de lei que proíbe a ocultação da face no espaço público francês. Por isso, o artigo 1º do texto legal afirma: « Nul ne peut, dans l’espace public, porter une tenue destinée à dissimuler son visage ». O dispositivo proíbe a todos (“Nul ne peut”) de se vestirem de maneira a ocultar a face no espaço público (com exceções durante o Carnaval, por exemplo, o que, por si, já faz a regra fazer eco à exceção). O projeto de lei em questão tem uma intenção manifesta, expressa em sua exposição de motivos:
La pratique de la dissimulation du visage qui peut au surplus être dans certaines circonstances un danger pour la sécurité publique, n’a donc pas sa place sur le territoire de la République. L’inaction des pouvoirs publics témoignerait d’un renoncement inacceptable à défendre les principes qui fondent notre pacte républicain. (Trad. livre: “A prática de ocultação da face que, em excesso e em certas circunstâncias, pode ser um perigo para a segurança pública, não tem lugar no território da República. A inação dos poderes públicos testemunharia uma renúncia inaceitável em defender os princípios que fundam nosso pacto republicano”.)
Outro dispositivo que creio ser digno de nota é o do artigo 4º do projeto, que criminaliza a ocultação forçada da face, e inclui o artigo 225-4-10 no Código Penal Francês com a seguinte redação:
« Après la section 1 bis du chapitre V du titre II du livre II du code pénal, il est inséré une section 1 ter ainsi rédigée :


« Section 1 ter


« De la dissimulation forcée du visage


Art. 225-4-10. – Le fait pour toute personne d’imposer à une ou plusieurs autres personnes de dissimuler leur visage par menace, violence, contrainte, abus d’autorité ou abus de pouvoir, en raison de leur sexe, est puni d’un an d’emprisonnement et de 30 000 € d’amende.


« Lorsque le fait est commis au préjudice d’un mineur, les peines sont portées à deux ans d’emprisonnement et à 60 000 € d’amende. »
O tipo incrimina o fato de « impor » a uma ou mais pessoas a ocultação da face mediante ameaça, violência, constrição, abuso de autoridade ou poder, em razão do sexo, e comina pena de privação de liberdade com duração de um ano e multa de trinta mil euros. As penas de encarceramento e multa são dobradas no caso de a conduta descrita no tipo ser cometida contra menor de idade. Fosse o caso de proteger as mulheres, bastaria esse dispositivo; mas a lei vai muito além de suas boas intenções.
*
O primeiro país europeu a editar uma medida semelhante foi a Bélgica. Lá, a lei foi concebida como uma simples positivação legislativa dos diversos regulamentos de polícia que já vigiam em quase todas as comunas belgas e que vedavam, “por razões de ordem pública”, circular em vias públicas com o rosto encoberto.[i]
Na lei belga, como no projeto francês, não há menção explícita ao véu islâmico; tampouco ao rosto feminino, a não ser indiretamente, no tipo penal inserido no artigo 4º que cria o artigo 225-4-10 do Código Penal Francês, quando alude a “em razão do sexo". A questão toca, efetivamente, à peculiar condição das mulheres muçulmanas em país estrangeiro, mas os efeitos práticos, políticos e jurídicos de seu artigo 1º, especialmente, atingem a totalidade dos cidadãos. As leis não têm, via de regra, destinatários específicos, não são atos normativos concretos. Tanto a lei belga como o projeto francês interditam puramente a ocultação da face com o uso de vestimentas no espaço público; nada mais.
Todo argumento que discute a atual pertinência do texto legal tem por horizonte interpretativo esse núcleo histórico e circunstancial de produção da norma. No entanto – como se aprende nos primeiros anos de direito –, as normas são editadas a fim de vigorarem pro futuro e indefinidamente, de modo geral e abstrato, independentemente da intenção legislativa original.
Não se trata de desqualificar a discussão sobre a condição feminina, especialmente das mulheres que comungam da religião muçulmana, nem de invalidar a priori os debates sobre a tensão entre universalidade dos direitos humanos e multiculturalismo. Essas são importantes frentes de análise, mas não parecem engendrar questões capazes de esgotar o problema político e jurídico que uma lei, como a da interdição da ocultação da face, coloca - especialmente nas sociedades de controle.
O projeto francês, ou a lei belga, não devem ser encarados apenas como atentados a liberdades individuais, ou como iniciativas intensamente liberatórias; é igualmente impróprio chamar “Lei da Burqa” a uma lei que continua e intensifica uma estratégia governamental que controla o rosto humano com base na expropriação de sua experiência política.
Essa lei pode e deve ser vista como dispositivo governamental; como tal, discutir sua benevolência ou maldade intrínsecas nos desarma para compreender o que está realmente em jogo: a interdição do acesso ao rosto. Tanto o comando “cubra” quanto o comando “descubra”, oriundos de fontes heterogêneas - é certo -, partem do mesmo princípio: usar a lei (divina ou humana) para realizar um controle político do rosto.
Tomemos Foucault e sua “Microfísica”: os poderes circulam, estão disseminados em todos os níveis da sociedade, não são apenas verticais, mas horizontais, transversais etc. Tomemos Agamben – especialmente como leitor de Foucault e Tiqqun: o corpo a corpo com os dispositivos governamentais de todo tipo, disseminados no corpus social, produz um complexo subjetivações-dessubjetivações. E “poder” é isso: um dispositivo (que pode apresentar-se como uma vestimenta ou uma lei) que subjetiva-dessubjetiva (produz um sujeito). A lei que proíbe a ocultação da face subtrai a possibilidade ao mesmo tempo ontológica e política de apropriar-se do próprio ser na aparência exposta; interdita, enfim, apropriar-se do próprio rosto, “o lugar da comunidade, a única cidade possível”, como escreveu Giorgio Agamben.
O rosto, porém, não coincide com a face. A face é mera exposição; o rosto, a exposição e a possibilidade de apropriar-se de sua impropriedade – seu próprio ser exposto que, todavia, não o pertence como essência ou atributo. Apenas na medida em que estamos no aberto e podemos apropriar-nos de nosso próprio ser exposto é que a exposição pode ser o lugar da política. Quando um dispositivo, seja um tecido opaco ou uma lei transparente, comandam “cubra-se” ou “descubra-se”, vive-se como impotência prática e política a destruição da experiência dessa apropriação; o rosto torna-se sagrado, intocável.
Por isso, em 1996, Agamben escrevia em Mezzi senza fine que:

A verdade, o rosto, a exposição, constituem, hoje, objeto de uma guerra civil planetária, cujo campo de batalha é toda a vida social, cujas tropas são os media, cujas vítimas são todos os povos da terra. Políticos, mediocratas e publicitários compreenderam o caráter insubstancial do rosto e da comunidade que ele abre, e transformam-no em um segredo miserável cujo controle se trata de assegurar a todo custo. O poder dos Estados não é mais fundado, hoje, sobre o monopólio do uso legítimo da violência (que eles compartilham sempre mais de bom grado com outras organizações não-soberanas – ONU, organizações terroristas), mas, sobretudo, sobre o controle da aparência (da doxa).[ii]

O projeto francês e a lei belga originam-se de dispositivos de segurança que se apóiam em estratégias de controle político do rosto, e são enformados por um princípio de identificação radical: a exposição do rosto no espaço público (que sempre foi constitutiva da política) deixa de ser uma experiência comunitária, de simultaneidade de semblantes e “foras” apropriados unicamente sob o signo do inapropriável pelo próprio homem, para se tornar a aberta claridade em que jamais um homem será capaz de esconder-se. A comunidade é rarefeita, os semblantes, partidos, desfigurados e reduzidos a face e a princípio de identificação.
A cada corpo atribui-se, tão-somente, a sua própria face. O rosto, como a política, permanecem estilhaçados, interditados, expropriados, incompossíveis com o espaço público. O rosto torna-se um objeto privilegiado de controle por meio dos mais heterogêneos dispositivos governamentais, desde os familiares, religiosos, morais, como a Burqa, ou o Niqab, às leis que interditam a ocultação da face. Não há – é sempre bom lembrar – dispositivos governamentais, ou subjetivações, liberadores. Quando, por obra dos dispositivos, os devires permanecem separados daquilo que eles podem, é nosso, e alheio, o rosto aprisionado no sonho do outro.

[i] Nesse sentido, confira-se o artigo saído sobre a lei belga em 29.04 no jornal italiano La Reppublica: “Belgio, divieto assoluto di Burqa. Primo paese a bandilo in Europa”., especialmente a seguinte passagem: “Si tratta di una decisione il cui valore è quasi puramente simbolico. L'uso del velo integrale è poco diffuso in Belgio, dove la comunità musulmana è principalmente di origine turca o magrebina. Inoltre in quasi tutti i comuni sono già in vigore regolamenti di polizia che vietano, per motivi di ordine pubblico, di circolare per strada con il volto coperto. Nella sola regione di Bruxelles l'anno scorso la polizia ha contestato 29 contravvenzioni al regolamento.”
[ii] “O rosto”, texto de Agamben, foi traduzido ao português e pode ser lido aqui.

Subtrações: sexo, corpo, experiência


Coluna mensal de Murilo Duarte Costa Corrêa n'O Pensador Selvagem
Editor do blog de Filosofia e Teoria do Direito A Navalha de Dalí

1. Se retornássemos ao período vitoriano, em meados do século XIX, veríamos, como Michel Foucault, o sexo elevado à condição de tema central das preocupações de uma cultura. Normalizar um aspecto da vida, seja ele a loucura, o crime, a doença mental ou a sexualidade, implica por em obra dispositivos culturais que se ocupam em produzir e em constituir em suas margens os próprios fenômenos da loucura, do crime, da doença mental e da sexualidade. Eis o que, em Foucault, dá sentido à tese de poderes constitutivos, fabris e não meramente repressores ou negativos.

Por um lado, essas ocupações ocorrem no interior de um sistema de práticas bem-delimitado, chamado normal; ao mesmo tempo que se normaliza o sexo ou a loucura, em que eles dispõem de uma espécie de norma, cria-se, co-extensivamente, mais perversão e mais delírio, na medida em que a perversão e o delírio tornam-se operadores conceituais necessários ao sexo-norma ou ao modelo do razoável). O período vitoriano teria sido exemplar como prova disso: a maciça repressão sexual e ao corpo não apenas constituiu o sexo como um objeto digno de um campo de preocupações próprio, mas pôde conviver durante um longo período com pequenas efervescências perversas, que foram capturadas, mais tarde, pela própria medicina ao estabelecer o comportamento sexual cosidetto normal, mas também pela literatura de Sade e Sacher-Masoch, por exemplo.

2. Georges Battaille (1960, p. 71), em L’Erotisme, afirmara que “a transgressão suspende o interdito sem suprimí-lo”; indo além de Bataille, mas aproveitando a relação referencial entre o ato de transgressão e a afirmação dos conteúdos e da própria vigência da lei violada no seio dessa mesma transgressão, pode-se notar que a lei não se constitui sem constituir a possibilidade da transgressão. Assim como o sexo normal não pode ser constituído sem atrelar-se negativamente a uma série de perversões às quais parece negar vigência, tampouco o conceito de loucura pode estabelecer-se sem implicar uma certa dinâmica entre psiquismo normal e delirante. No seio do sexo-norma, como no da razão, constituem-se os conceitos de perversão e de delírio como seus limites negativos. O que não se pode dizer com certeza é até que ponto eles são exteriores ou interiores aos conceitos que constituem.

Embora na filosofia de Foucault não se possa confundir Lei e norma, ambas possuem sempre um referente, uma espécie de exterioridade impura que capturam excluindo-a do âmbito de sua aplicação com a finalidade, aparentemente paradoxal, de constituir seu âmbito normal de incidência.

Disso já podemos compreender o grande mal-estar de Giorgio Agamben ao arrostar um projeto político como o battailliano. A lei só se constitui supondo seu próprio bando – esse momento “excepcional”, mas ao mesmo tempo tão ordinário, em que se aplica desaplicando-se. Não é da condição normal da lei aplicar-se sobre a transgressão, mas como ela deixaria de aplicar-se se o ato de transgressão traz em si a marca simbólica daquilo que atravessa e constitui a lei em seus conteúdos cingidos por uma forma pura? Isso, entretanto, está muito longe de ser uma aporia. Ao contrário, constitui a própria dinâmica paradoxal que faz com que a norma encontre fundamento apenas na exceção.

3. Se o período vitoriano ocupava-se do sexo, mas apenas como quem se ocupa de um segredinho nojento, hoje não deixamos de ocupar-nos com ele; nem tão secreto, nem tão nojento. Fala-se, mesmo, em uma espécie de retorno do dionisíaco e do orgiástico que, ao que parece, faz-se de maneira intensamente liberadora; contudo, em seu fundo, ainda podemos encontrar a sexualidade como um dos terrenos par excellence em que se revela o corpo a corpo entre homens e dispositivos. O dispositivo da sexualidade, dentre outros dispositivos que anexamos a ele, produz correntes de subjetivação (fabricam sujeitos) ou de dessubjetivação (desconstituem, ou dissolvem, sujeitos).

Gostaria de citar alguns exemplos. É comum ouvirmos que vivemos uma espécie de retorno do culto ao corpo; jovens são capazes de passar horas enfurnados nas academias; idosos fazem musculação diariamente porque assim acreditam evitar os males da osteoporose, ou ganhar sobrevida – mesmo que não saibam exatamente muito bem para quê. Contudo, isso parece ir na contramão de tudo o que diz respeito a um retorno de culto ao corpo e aos prazeres, a um hedonismo eudemonista.

Já não cultuamos o corpo como puro meio, como um suporte físico a ser consumido pela vida compreendida como experiência. Tampouco somos capazes de ver no corpo um servo fiel do gozo; hoje, cultuamos o corpo como pura forma. O bodybuilding constitui o paradigma e o programa de nossa atual relação com o corpo: severas restrições alimentares, dieta, exercícios permanentes, ocupações infinitesimais, não com o corpo, mas para dar forma a ele. O corpo é apenas o suporte material sobre o qual se aplica uma pura forma. O corpo natural é feio, vadio, informe; algo a ser modificado, remodelado como artefato. Assim como os primeiros homens teriam modificado o estatuto da natureza, o corpo constitui a mais íntima natureza a ser enformada pela ação humana.

Quando o corpo passa a ser pura forma, como no caso do fisiculturismo – que há muito não é um território exclusivamente masculino – é sinal de que algo mudou nas relações entre nossos corpos e os dispositivos. A própria lei, que antes vigia como pura forma, que regrava e circunscrevia um âmbito próprio aos prazeres, passa a inscrever-se sobre o próprio corpo, a enunciar na forma que um corpo deve apresentar, toda a norma aplicável aos corpos dos homens.

4. O dispositivo da sexualidade também parece, algumas vezes, ter sido assaltado por uma pura forma. A pornografia sempre fora um dispositivo que subtrai a própria experiência do ato sexual. Não por acaso Laurent de Sutter falou recentemente a respeito da pornografia como uma metafísica do sexo, algo que não pertence à ordem da sexualidade concreta, mas àquela da “rêverie abstraite”.

Também recentemente, Gilles Lipovetsky pôde compreender nisso um exemplar do fenômeno da hiper-sexualidade: a convivência paradoxal entre infinitas possibilidades de rapports sexuais irreais, impessoais e ilimitados via internet (as jovens com suas webcams, as moças, célebres ou anônimas, que já não dividem suas camas apenas com os namorados, mas também com as filmadoras, câmeras fotográficas e gadgets de todo o tipo), contrasta com a decepção recorrente em atribuir-se um comportamento sexual efetivo apenas modesto e bem-comportado.

5. Agamben já falou do momento em que a pornostar olha fixamente na direção da câmera e, indiferente a seu partner, já não simula o prazer, mas adquire um semblante inexpressivo; o rosto angelical de Chloë des Lysses permanece indiferente ao parceiro e, a um só tempo, igualmente indiferente a toda a partilha de olhares com os espectadores. A pornostar vaza no próprio rosto um olhar fixo e vazio, realiza uma troca impossível com a câmara escura da filmadora. Seu rosto inexpressivo “rompe toda relação entre o vivido e a esfera expressiva”; torna-se, segundo Agamben, um puro meio, e engendra um potencial profanatório que o dispositivo da pornografia visa a neutralizar. “O consumo solitário e desesperado da imagem pornográfica acaba substituindo a promessa de um novo uso”, e assim o dispositivo pornográfico subjetiva o consumidor ao mesmo tempo em que o captura na distração de uma intenção propriamente profanatória (Agamben: 2007, p. 78).

O vazio do olhar de Chloë des Lysses engendra uma desarticulação entre a experiência e a expressão, entre a sensação demasiadamente atual, percutida no corpo, e um “semblante impassível”. Não é isso que Agamben contesta. Essa desarticulação indica a possibilidade de um novo uso do sexo a partir da intenção profanatória que radica na pornografia, e que não se confunde com uma simples perversão, na medida em que seria capaz de desarticular a própria relação de exceptio que mantém com a lei. Não se trata do que faz Chloë des Lysses, das obscenidades ou das sevícias que um corpo delgado suporta, mas persiste um campo de indiferença entre sensação e expressão, experiência e uso imediato do sexo: isto é, o potencial profanatório da pornografia estaria em liberar o sexo como puro meio benjaminiano, como meio sem-fim. Porém, quando o dispositivo pornográfico prescreve um uso com incidência no campo da normalidade (o consumo solitário, distraindo-nos da intenção de estabelecer um novo uso, capturando nossa atenção), o que se faz é substituir aquilo que constitui a própria experiência: a faculdade de fazer um uso livre de um objeto separado em uma esfera própria, divina, intocável pelos homens.

6. Não precisaríamos ir além do corpo, do sexo ou da pornografia para descobrir o potencial profanatório dessa desarticulação entre experiência e máquina de expressão e rostificação. Ela se apresenta em situações até mesmo mais derrisórias, como no turismo. Nele, fica patente a substituição da experiência da visão, do corpo, do prazer de ver e tocar, por uma espécie de gozo de prótese proporcionado pelas filmadoras e máquinas fotográficas digitais. Esse consumo imediato também está presente na pornografia; é o caso do “first-person shoot view” do pornô amateur. O consumidor solitário distrai-se com a visão em primeira pessoa de um partner completamente alheio à própria experiência que suas objetivas registram.

O que entra em jogo nessa normalização da experiência é o conceito de museificação do mundo, como aquilo que designa uma radical impossibilidade de uso. Um turista veneziano experimenta uma verdadeira exposição da impossibilidade do uso capturando imagens de Veneza com suas objetivas. Não se pode tocar na história, ela se tornou um objeto fora de alcance e fora de uso.

O quotidiano dos homens constrói-se neste infinito corpo a corpo travado com os dispositivos de captura. Mesmo os elementos mais derrisórios como o turismo, a escrita, a caneta, a linguagem, os telefones celulares, os microblogs, e até mesmo a forma-homem podem ser descritos como dispositivos atualmente em obra em nossa cultura. Em sua operação, encontramos a distração dos sujeitos, sob a forma organizada de sua própria subjetivação-dessubjetivação, a captura de “desejos demasiadamente humanos de felicidade”, que são separados de sua potência e intenção propriamente profanatórias. Subtrações infinitesimais atingem-nos corpos, sexos e interditam-nos a própria experiência. Por isso, Agamben diz que a tarefa de uma política que vem é, precisamente, desfazer essa interdição, recuperar a experiência, “profanar o improfanável”; mas para isso, nada é mais urgente que desarmar os dispositivos.