Companheiro de guerrilha virtual a favor dos excluídos e da paz universal, Jorge Bichuetti é médico e psicoterapeuta. Analista institucional e esquizoanalista. Diretor Clínico da Fundação Gregorio F. Baremblitti/ Uberaba - MG. Professor do Instituto Félix Guatarri/ BH. Autor de Lembranças da Loucura, Crisevida e Estrelas Cadentes. Poeta, militante, sonhador...
... Entre amigos, madrigais e a Lua é um nômade caçando o seu devir passarinho.
1. Jorge, o que é realidade, o que é sonho e o que é utopia?
Tânia, é uma alegria conversar com você, suas tribos, insurgentes vidas do porvir. A realidade é uma sub-realidade, um concreto de opressão, exploração e mistificação, que suprime do cotidiano as lutas libertárias, as paixões energizantes e a magia rebelde das virtualidades; o sonho é uma poesia caótica entre as dores da vida e o pulsar do porvir, teimoso, menino moleque, que deseja acontecer; e a utopia, é o sonho pensado visceralmente e assumido como ética, luta e compromisso, é a alvorada que já não é esperada, é buscada, tecida, amada e vivida com a ousadia da luta e com a rebeldia da esperança...
2. De que maneira Deleuze e Guattari, Spinoza e Foucault influenciaram ou influenciam diretamente a sua prática cotidiana de médico psiquiatra?
Eles me deram um olhar de amor e compaixão, liberdade e partilha... Me tiraram dos muros da medicina classificatória e excludente, e me revelaram na loucura, no sofrimento mental, um emergente que denuncia e anuncia... Diz do insuportável e clama por um outro mundo possível... Me fez ver, onde via a doença, a singularidade, o devir, a diferença... E, assim, me ensinaram que o cuidado é vínculo, alegria, ternura, inclusão social e militância por um mundo onde possamos verdejar nossas potências, longe das algemas da normalidade, castradora e asfixiante.
3. Seu blog, Utopia Ativa, é um espaço revolucionário e, ao mesmo tempo, pensante e contestador daquilo que se entende como “normalidade” social. É um território de desterritorializações onde há conexões de fluxos e delírios comunicativos, rejuntando arte, vida, poesia e realidade. Quais são as suas bandeiras de luta e por quê?
Meu blog é um espaço do sonho, da poesia, da luta do povo oprimido que caminha, guerrilha dos becos do cotidiano e sonha com a aurora... Não sei sintetizar minhas bandeiras: são do povo, são as da Terra, são as da vida... Atraveria dizer que luto "por uma nova Terra, por um povo por-vir"... Pelo socialismo libertário; pelo direito à diferença e pelos direitos humanos... Pelo pão nosso de cada dia: pão-alimento; pão-alegria; pão-liberdade; pão-utopia... sou um andarilho das insurgências rebeldes que nos trazem a luz de um novo dia. Por quê?... Pela injustiça, pela lágrima que corre e pela vida não-vivida em cada vida que encontro violentada pela opressão da nossa vil realidade; e por mim, pois, não sei nem quero ser feliz longe da solidariedade e do povo que dá sentido à minha própria vida.
4. A esquizoanálise e o esquizodrama são técnicas que podem ser consideradas pontos de partida para a inclusão do portador de transtornos psiquiátricos no tecido social? Se sim, como isso acontece e quais são os seus benefícios?
São libertárias e permitem a construção de vidas remoçadas nas singularidades que rodopiam sem conseguir criar planos de consistência para seus sonhos e desejos. E trabalham agenciando o novo, a alegria, o brincar, a arte os devires... Isso contagia, isso cria vida. O cinzento normatizador nos silencia e nos cronifica, longe de nós mesmos. Ficamos bem adaptados, porém, numa silenciosa morte civil
5. Por que devemos inventar novas linhas de fuga e traçá-las na vida se elas mesmas, às vezes, são fugidias?
Porque a vida não contempla a vida que carregamos como diversidade, potência, singularidade e devires... São fugidias. Primeiro, porque são vigiadas, negadas e esvaziadas, capturadas pelo sistema; segundo, e isso é maravilhoso, porque são errantes, uma vez que somos metamorfoseantes. Então, precisamos viver, educar e cuidar para a impermanência, para a criatividade, para a emergência de um novo novo, uma nova mudança.
6. Você já sofreu diretamente algum tipo de preconceito ou foi vítima de bullying por ser um médico que pensa o mundo de forma holística e enxerga o ser humano como potência de um devir-desejante-de-libertação dos padrões fascistas, aqueles que são esquadrinhados pela mídia e pela atual sociedade de consumo?
Já, mas hoje quase nunca. No início, era sementeira; hoje, há frutos e flores que me permitem andar como uma borboleta que escolhe o que visita, o que cheira e o que come... Não escuto os que negam a vida. Se percebo vida nas críticas, dialogo e cresço. Senão, sigo com as minhas utopias e com os usuários que cantam, poetizam e vivificam nas estradas do cotidiano a validade do cuidado-amor e do cuidado-alegria, da inclusão, da liberdade, da caminhada de partilha. Não sofro bullying, porque aprendi a ver nos que estigmatizam um medo de si e um terror por fugirem dos próprios desejos; agridem por se temerem na loucura, que negam mas que a abrigam nas entranhas de si mesmos...
7. Jorge por Jorge?
Oh! Um militante do porvir, da liberdade e da solidariedade, um menino... e um poeta de sonhos, amores, luares e passarinhos... um homem comum na sua caminhada com o povo oprimido.
Quero agradecer, com imensurável alegria, ao meu querido amigo, Jorge Bichuetti, a sua disponibilidade e atenção ao responder brilhantemente às questões propostas por mim para este post. Estamos certos de que sua contribuição intelectual, construída por meio de seus conhecimentos e pela sua luta diária na profissão, pelos seus sonhos e utopias, pelo desejo de construir um mundo melhor, servirá de exemplo a todos aqueles que, assim como nós, pensamos na libertação do ser humano das amarras que o aprisionam em nome de um sistema excludente, violento, asfixiante, injusto, perverso, normatizador e consequentemente opressor. Jorge, muito obrigada e um grande beijo para ti.
Tânia Marques 23 de abril de 2011
Fonte das imagens:
6 comentários:
Tãnia, alegrei-me de estar nesta estrada, neste campo de vida que é seu blog, seu campo de florescências do porvir. Cuidar é um atitude, não um ato; um vínculo, uma caminhada de partilha; é amor e ternura... Num mundo que inibe a diferença, é agenciar linhar que escapam dos controles e se materializam linhas alegres, cheias de vida, vida-ternura, vida-rebeldia... Insurgências amorosas e solidárias por um novo dia.
Eles são o amanhã; porém, correm o risco de apagarem antes do sol raiar, cuidar assim, é amorosamente, sustentar uma vela...
Abraços com gratidão, Jorge
Jorge e Tânia
Maravilha de entrevista. Este é o Jorge que conheci nas linhas e entrelinhas do meio virtual!
Parabéns aos dois.
beijos
Anne
Anne, que alegria poder devir tribo numtempo de solidão. Este momento é, para mim , alegria, pois tece elos do longe que se faz perto no país da amizade,
Abraços. Jorge
Jorge Bichuetti é simplicidade pura, é diálogo, é um devir passarinho com olhos de águia, pois enxerga muito além de meu horizonte. Parabéns Tânia pela entrevista, pois suas perguntas foram bem colocadas. Abraços José Caui
Dr, Jorge um ser estelar, especial...]
Que entrevista maravilhosa! E só hoje eu a li!!!!
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