sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sobre o ensaio: algumas reflexões

Ensaiar e perguntar foi todo o meu caminho”.
Friedrich Nietzsche

Se a minha alma pudesse dar pé, eu não me ensaiaria, me resolveria; mas ela se encontra sempre em aprendizagem e à prova”. 
Montaigne

Não temos como herança mais do que vento e fumaça”. 
Montaigne

Eu não pinto o ser, pinto o devir”. 
Montaigne

Homens de atos ou homens de ar, essa é a alternativa”. 
T. W. Adorno

O ensaio - que é necessário entender como experiência modificadora de si no jogo da verdade, e não como apropriação simplificadora de outrem para fins de comunicação - é o corpo vivo da filosofia, se, pelo menos, ela for ainda hoje o que era outrora, ou seja, uma ‘ascese’, um exercício de si, no pensamento”. 
Michel Foucault

(FOUCAULT, Michel. História da sexualidade II. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998.).

Citação retirada de:

LARROSA, Jorge. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita a na vida. in Dossiê Michel Foucault. Revista Educação & Realidade. Porto Alegre: UFRGS, v. 29, n. 1, p. 5-520, jan./jun.2004.

“Sabemos que Foucault foi muito sensível à literatura e às artes. Sabemos que Foucault fez de sua relação com a literatura e com as artes algo mais profundo do que uma ocupação marginal, e algo mais profundo do que uma ocupação crítica. Foucault nunca fez crítica literária, e sequer filosofia da literatura ou da arte. Para Foucault, talvez, a literatura foi um dos lugares que ele escolheu para uma meditação sobre a relação entre escrita e pensamento. Por isso, a última parte desta conferência não pode ter outro lugar do que esse ‘entre’, entre pensar e escrever, entre escrever e pensar; o que seria uma escrita que pensa e que pensa sobre si mesma, e um pensamento que escreve e que escreve sobre si mesmo.

É sabido que o ensaio é considerado como um híbrido entre a filosofia e a literatura. Sua vontade de verdade o habilita como filosófico, e a sua vontade de estilo, como literário. Entretanto, no ensaio, tanto a verdade como o estilo são inseparáveis do sujeito e são inseparáveis da vida, da invenção e da experimentação de possibilidades de vida, de formas de vida, de estilos de vida. Mas é aí que aparecem os problemas. No ensaio moderno, precisamente por sua vontade de autoria, o estilo expressa, ao mesmo tempo, a experiência de um sujeito e a construção de um mundo. No ensaio moderno, o estilo é o homem, ou o autor, ou o sujeito. O estilo é a marca da subjetividade na linguagem. E na verdade. Mas na obra de Foucault trata-se de outra coisa.

A questão da literatura e sua sobreposição com a questão da escrita, da escrita pensante e da escrita do pensamento, não tem a ver somente com os recursos expressivos, mesmo que, nos recursos expressivos, não há dúvida de que Foucault é um escritor deslumbrante. Poderíamos dizer que, em Foucault, a questão da escrita é o núcleo fundamental no qual afirma e, ao mesmo tempo, problematiza sua vocação filosófica e sua concepção do pensamento. Foucault, a um só tempo, faz da filosofia, ficção, e da literatura, verdade. E aí a escrita aparece como o lugar do pensamento e como o enigma de um fosso reflexivo que se abre. Em Foucault, o pensamento se faz escrita, se pensa como escrita e, no limite, se dissolve em escrita. E é justamente ao dissolver-se como escrita que ele se abre para a sua própria transformação, para seu próprio ensaio. Em Foucault, ensaiar seria uma experiência simultânea de escrita e pensamento, uma experiência na qual se decidiria o que nos é dado dizer e o que nos é dado pensar, ao mesmo tempo, no presente, na primeira pessoa”.
Jorge Larrosa é professor da Universidade de Barcelona, Espanha.


Recortes do texto que foi apresentado como palestra de encerramento no Seminário Internacional Michel Foucault: perspectivas, realizado em Florianópolis, em setembro de 2004, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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