A publicação deste texto foi-me concedida, via mensagem direta do Twitter, pelo seu autor, Glauber Ataide, do Blog Perfeição. Muito obrigada!
Guy Debord compreendeu de tal forma o mecanismo do espetáculo sob o capitalismo que, ao lermos sua intocável obra "A sociedade do espetáculo", de 1967, temos a impressão que o autor já conhecia fenômenos como Orkut, MSN e Big Brother. Mas não era isso. É que ele conseguiu compreender a essência daquilo que, no capitalismo, levaria ao desenvolvimento desses fenômenos.
Mas o que é o "espetáculo"? Para Debord, "o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens".
José Arbex Jr. no livro "Showrnalismo: a notícia como espetáculo", explica assim:
"O espetáculo consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas ‘a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores’".
O espetáculo é a vida mediada por imagens, isso é, quando a vida é deixada de ser vivida diretamente para ser vivida através de imagens. O espetáculo é a negação da vida. Essa lógica, identificada por Debord já na década de 60, é a mesma que levou ao desenvolvimento das atuais redes virtuais de relacionamento.
O Big Brother é uma outra expressão inequívoca do espetáculo. Seu nome vem de um personagem chamado "Big Brother", da obra "1984", de George Orwell. O Big Brother (ou "Grande Irmão) era o ditador da Oceania, um estado totalitário. Através de câmaras, ele vigiava todos os cidadãos dentro de suas próprias casas.
A falsa realidade apresentada pelo reality show Big Brother é consumida por uma multidão hipnotizada e ávida por realidade. Mas o que encontram é apenas uma realidade que esvaziou-se, assim como eles próprios. O Big Brother é uma "ficção do real".
Os participantes se submetem a uma exposição humilhante de sua intimidade (como quando fazem sexo dentro da casa) apenas para obter uma fama quase tão passageira quanto a sua participação no programa. Mas Debord já explicava o por que disso:
"A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social em busca da acumulação de resultados econômicos conduz a uma busca generalizada do ter e do parecer, de forma que todo o "ter" efetivo perde o seu prestígio imediato e a sua função última. Assim, toda a realidade individual se tornou social e diretamente dependente do poderio social obtido. Somente naquilo que ela não é, lhe é permitido aparecer."
Na sociedade do espetáculo, não basta a degradação do ser ao ter. Ela vai além, e degrada o ter em parecer ter.
Uma curiosa ocorrência disso encontramos entre membros da classe média, que moram em minúsculos apartamentos mas possuem carros extravagantes na garagem. Como quase ninguém os conhece em sua intimidade, eles não precisam de um imóvel grande para acomodar visitas. No entanto, como muita gente lhes vê nas ruas desfilando com o seu automóvel (desde que o seu vidro não seja fumê), daí então a necessidade do parecer.
O espetáculo, vale repetir, é a negação do real. É a vida deixada de ser vivida diretamente para ser vivida através de imagens, através do consumo de imagens. O espetáculo hoje está mais explícito do que nunca.
Vamos finalizar com o aforismo 30 do livro de Debord:
"A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda a parte."
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